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quarta-feira, 24 de outubro de 2018

É INDISPENSÁVEL MANTER-SE A PUREZA DA IGREJA COM TODO ZELO, E É LAMENTÁVEL QUANDO NELA SE TOLERA LASSIDÃO DE COSTUMES, CONTUDO NEM COM ISSO SUA COMUNHÃO DEVA SER RENUNCIADA, BEM COMO A PARTICIPAÇÃO DA CEIA DO SENHOR

Objetam ainda que Paulo censura severamente aos coríntios, porque em seu convívio toleravam um homem escandaloso [1Co 5.1,2], e em seguida estabelece um princípio geral, no qual declara que não é lícito sequer comer pão com um homem de vida dissoluta [1Co 5.11]. Aqui exclamam: “Se não é permissível comer com ele o pão comum, como é permissível comer o pão do Senhor?” Certamente reconheço ser grande aviltamento se entre os filhos de Deus tenham lugar os porcos e os cães. Muito mais ainda é que entre eles seja prostituído o sacrossanto corpo de Cristo. De fato, se as igrejas não forem bem reguladas, passarão a tolerar em seu seio aos celerados, nem admitirão àquele sagrado repasto ao mesmo tempo dignos e indignos, indiscriminadamente. Mas, dado que nem sempre os pastores vigiam com a devida diligência, e às vezes são mais gentis e suaves do que conviria, o que talvez os impede de exercer tanta severidade como desejariam, o fato é que nem sempre os maus são expulsos da companhia dos bons.10 Confesso ser isto uma falha, nem a quero atenuar, quando Paulo acremente a repreende nos coríntios. Todavia, ainda quando a Igreja seja remissa em seu dever, nem por isso será direito de cada um em particular assumir a si pessoalmente a decisão de separar-se. Evidentemente, não nego que seja dever do homem piedoso subtrair-se a todo relacionamento íntimo ou pessoal dos réprobos, não se imiscuindo com eles em nenhum relacionamento voluntário; uma coisa, porém, é evitar o convívio dos maus; outra, por aversão a eles, renunciar à comunhão da Igreja. Que, porém, pensam ser um sacrilégio participar com eles do pão do Senhor, nisso muito mais rígidos são do que Paulo. Ora, quando ele nos exorta à santa e pura participação, não requer que um examine ao outro, ou cada um examine a igreja toda; ao contrário, que cada um examine a si mesmo [1Co 11.28]. Se comungar com o indigno fosse ilícito, certamente Paulo ordenaria que olhássemos em volta para vermos se porventura haveria alguém na multidão de cuja impureza seríamos poluídos. Ora, quando ele só requer de cada um a prova de si próprio, evidencia que de modo algum somos prejudicados se algum indigno se imiscuir conosco. Nem outra coisa ele tem em vista quando acrescenta depois: “Quem come indignamente, come e bebe juízo para si” [1Co 11.29]. Paulo não diz para outros; mas, para si. E com razão, pois não deve ser posto no arbítrio de cada um a quem deva receber e quem deva repelir. Este reconhecimento, que não pode ser exercido sem legítima ordem, é de toda a Igreja, como depois se haverá de dizer mais amplamente. Portanto, será injusto ser alguém, pessoalmente, poluído pela indignidade de outrem, a quem nem pode, nem deve, barrar o acesso.

João Calvino