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quinta-feira, 18 de outubro de 2018

A SUPERLATIVA BEM-AVENTURANÇA QUE SE RESERVA AOS ELEITOS NA GLÓRIA CELESTIAL

Mas então, uma vez, finalmente, cumprida a profecia quanto à morte ser tragada pela vitória [Is 25.8; Os 13.14; 1Co 15.54, 55], tenhamos sempre em mente a felicidade eterna que é propósito de nossa ressurreição, de cuja excelência, quanto as línguas humanas pudessem proclamar, seria apenas uma parte insignificante do que se merece. Ora, por mais que seja verdadeiramente o que ouvimos, de que o reino de Deus haverá de ser cheio de esplendor, de alegria, de felicidade, de glória, no entanto, aquelas coisas que se enumeram, permanecem mui remotas de nosso senso e como que envoltas em obscuridade, até que tiver chegado aquele dia em que ele mesmo haverá de exibir-nos sua glória para ser contemplada face a face [1Co 13.12]. “Sabemos que somos filhos de Deus”, diz João, “mas, isso ainda não se fez manifesto. Quando, porém, formos semelhantes a ele, então o veremos tal qual ele é” [1Jo 3.2]. Por isso é que os profetas, não podendo exprimir em suas próprias palavras aquela bem-aventurança espiritual, como que simplesmente a delinearam sob a forma das coisas corpóreas. Todavia, visto que, por outro lado, é necessário que nosso coração se inflame no amor e desejo dela, é preciso que nos detenhamos neste pensamento: se Deus contém em si a plenitude de tudo que é bom, uma como que fonte inexaurível, nada devem buscar além dele os que porfiam pelo sumo bem e por todos os elementos da felicidade, como somos ensinados em muitos lugares da Escritura. Diz o Senhor a Abraão: “Eu sou tua mui grande recompensa” [Gn 15.1], sentença que ecoa em Davi: “Minha porção é o Senhor: caiu-me a sorte excelentemente” [Sl 16.5, 6]. De igual modo, em outro lugar: “Quedar-me-ei satisfeito com a visão de teu rosto” [Sl 17.15]. De fato Pedro declara que os fiéis foram chamados para isto: para que sejam feitos participantes da própria natureza divina [2Pe 1.4]. Como assim? “Porque será Cristo glorificado em todos seus santos e será admirado naqueles que creram” [2Ts 1.10]. Se o Senhor partilhará com os eleitos sua glória, seu poder, sua justiça, mais ainda, se dará a eles a si mesmo para ser por eles usufruído, e o que é mais excelente, com eles coexistirá, de certo modo, em um, lembremo-nos de que sob este benefício está contido todo gênero de felicidade. E, quando tivermos avançado bastante nesta meditação, no entanto reconheceremos que, se a concepção de nossa mente for comparada com a sublimidade deste mistério, ainda nos ficaremos nas raízes mais inferiores. Portanto, devemos, neste aspecto, curvar-nos com mais sobriedade, para que, esquecidos de nossa própria limitação, pelo que com mais audácia subamos ao alto, o fulgor da glória celestial não nos trague. Sentimos também quão desmesurado é nosso desejo de saber mais do que é lícito, do quê jorram incessantemente questões não apenas frívolas, mas até mesmo nocivas. Chamo frívolas aquelas das quais não se pode tirar nenhum proveito. Mas, este segundo tipo é pior, porque os que se entregam a elas se enredilham em especulações perniciosas, razão por que as chamo nocivas. Sem dúvida alguma devemos ter por certo o que a Escritura ensina, isto é, que assim como Deus distribui diversamente aos santos neste mundo seus dons, irradiando-os de forma desigual, assim não haverá igual medida de glória nos céus, onde Deus coroará seus dons. Ora, não compete indiferentemente a todos o que Paulo diz: “Vós sois minha glória e coroa no dia de Cristo” [1Ts 2.19]. E essa declaração de Cristo aos apóstolos: “também vos assentareis sobre doze tronos, para julgar as doze tribos de Israel” [Mt 19.28]. Paulo, porém, que da mesma forma sabia que Deus enche os santos na terra de dons espirituais, assim também os adorna de glória no céu, não nutre dúvida de que, em razão de seus labores, está reservada para si uma coroa especial [2Tm 4.8]. Cristo, porém, para aos apóstolos recomendar a dignidado dos ofícios de que foram investidos, os lembra de que seu galardão está escondido no céu. Assim também Daniel: “Os que têm entendimento, porém, fulgirão como o esplendor do firmamento, e os que a muitos conduzem à justiça brilharão como as estrelas, sempre e eternamente” [Dn 12.3]. E se alguém considerar atentamente as Escrituras, elas não só prometem aos fiéis a vida eterna, mas ainda um galardão especial a cada um. Donde também esta imprecação de Paulo: “Que Deus o recompense naquele dia” [2Tm 1.18], o que confirma a promessa de Cristo: “Recebereis o cêntuplo na vida eterna” [Mc 10.30]. Em suma, como o Senhor Jesus começa a glória de seu Corpo neste mundo com a diversidade dos dons que distribui aos seus, e a amplia através de seus graus, assim também a consumará no céu.

João Calvino