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domingo, 7 de outubro de 2018

NA PALAVRA E NA EXPERIÊNCIA RESIDE A GARANTIA E CERTEZA DA ELEIÇÃO

Portanto, como procedem incorretamente os que fazem a realidade da eleição pendente da fé ministrada no evangelho, mercê da qual sentimos pertencer-nos aquela, assim manteremos a melhor ordem se, buscando a certeza de nossa eleição, nos apeguemos a esses sinais subseqüentes que lhe são evidências seguras. De nenhuma tentação, quer mais grave ou mais perigosa, abala Satanás aos fiéis do que, quando, inquietando-os com dúvida de sua eleição, ao mesmo tempo os incita, por desejo depravado, a buscá-la fora do caminho. Buscar fora do caminho, digo, quando um mísero homem tenta irromper pelos recônditos recessos da divina sabedoria e, para que saiba o que foi a seu respeito estabelecido no tribunal de Deus, tenta penetrar até a suma eternidade. Pois então está a precipitar-se ao fundo de imensa voragem para ser por ela tragado; em seguida, enredilha-se em inumeráveis e inextricáveis laços; então, enterra-se no abismo de cega caligem. Pois é justo que o desvario do engenho humano seja castigado com uma ruína horrível e total destruição, quando tenta por seu próprio poder elevar-se até à altura da sabedoria divina. E tanto mais mortal é esta tentação, porque a nenhuma outra quase todos nós somos mais propensos. Com efeito, raríssimo é aquele cuja mente não seja, de quando em quando, ferida por esta cogitação: Donde vem tua salvação, senão da eleição divina? E quem te revelou que és eleito? Se em alguém uma vez prevaleceu esta cogitação, ou perpetuamente fere ao mísero de terríveis tormentos, ou totalmente o deixa atônito. Realmente não poderia desejar melhor argumento do que esta experiência, para provar e demonstrar quão perversamente esta classe de pessoas. Porque o entendimento humano não pode ver-se afetado com um erro mais pestilento que perder a tranqüilidade, a paz e o repouso que deveria ter em Deus, quando a consciência se vê alterada e turbada desta maneira. Portanto, se tememos naufrágio, impõe-se diligentemente acautelar-nos deste escolho contra o qual nunca se é impelido sem destruição. E, na verdade, ainda que se tenha a discussão da predestinação semelhante a um mar perigoso, no entanto, ao percorrê-lo, a navegação se patenteia segura e tranqüila, aliás, até mesmo agradável, a menos que alguém se disponha, deliberadamente, a incorrer em perigo. Ora, assim como em mortal abismo se engolfam os que, a fim de que mais seguros se façam de sua eleição, perquirem o eterno conselho de Deus à parte da Palavra, assim também os que a investigam corretamente e em ordem, como se contém na Palavra, daí recebem excelente fruto de consolação. Seja-nos, pois, esta a norma de inquirir: que tomemos início da vocação de Deus e nela findemos. Todavia, isto não impede que os fiéis sintam provirem dessa recôndita adoção os benefícios que recebem diariamente da mão de Deus, como falam em Isaías: “Fizeste maravilhas; teus conselhos antigos são verdade e firmeza” [Is 25.1], quando através dela, como se por uma senha, Deus nos quer confirmar quanto é feito saber-se de seu conselho. Mas para que a alguém este testemunho não pareça fraco, consideremos quanto ele nos propicia não só de clareza, mas também de certeza. Acerca desta matéria muito a propósito se expressa Bernardo. Ora, depois que falou a respeito dos réprobos, diz ele: “Firme está o propósito de Deus, firme está sua sentença de paz sobre os que o temem, não só lhes desconsiderando os atos maus como também recompensando os bons, de sorte que, de modo admirável, para o bem lhes cooperam não apenas as coisas boas, mas ainda as más. ‘Quem acusará os eleitos de Deus?’ [Rm 8.33]. A mim é suficiente, para toda justiça, ter propício apenas esse contra quem tenho pecado. Tudo o que ele não decretou imputar a mim, é como se não haja existido.” E, pouco depois: “Ó lugar de verdadeiro descanso e que eu referiria não impropriamente pelo designativo de aposento, no qual Deus é contemplado não como que conturbado em ira, nem como se prostrado em preocupação, mas, pelo contrário, nele sua vontade prova ser boa, benevolente e perfeita! Esta visão não aterra, pelo contrário, tranqüiliza; não excita curiosidade inquieta, pelo contrário, a abranda; nem fatiga os sentidos, pelo contrário, os aquieta. Aqui verdadeiramente se descansa. O Deus tranqüilo a tudo tranqüiliza e contemplar repouso é repousar.”

João Calvino