Outros dois desvarios, além destes, foram introduzidos por homens indevidamente
curiosos. Uns pensaram que as almas haverão de ressuscitar com os corpos,
como se todo o homem perecesse ao morrer; outros, embora admitam que os
espíritos são imortais, sustentam que eles haverão de ser revestidos de novos corpos,
com isso negando a ressurreição da carne. Uma vez que, em se tratando da
criação do homem, fiz certa menção em relação ao primeiro desses dois desvarios,
será suficiente a mim advertir de novo aos leitores de quão bestial é o erro de fazer
do espírito formado à imagem de Deus um sopro efêmero, que apenas anime ao
corpo nesta vida passageira, e reduzir a nada o templo do Espírito Santo; enfim,
despojar deste dote essa parte de nós em que especialmente refulge a divindade e
insignes são as marcas da imortalidade, que seja mais excelente a condição do corpo
do que a da alma.
De modo bem diferente, a Escritura compara o corpo a uma habitação da qual
diz migrarmos quando morremos, porquanto nos avalia em função desse elemento,
o qual nos distingue dos animais brutos. Assim Pedro, próximo à morte, diz haver
chegado o tempo em que entrega seu tabernáculo [2Pe 1.14]. Paulo, ademais, falando
acerca dos fiéis, depois de dizer que “temos nos céus um edifício, quando nos for
demolida a morada terrestre” [2Co 5.1], acrescenta que “peregrinamos longe do
Senhor enquanto permanecermos no corpo” [2Co 5.6]; mas, “desejamos antes deixar
este corpo, para habitar com o Senhor” [2Co 5.8]. A não ser que as almas fossem
sobreviventes aos corpos, o que estaria presente com Deus depois de haver separado
do corpo? O Apóstolo, porém, remove toda dúvida quando ensina que fomos reunidos
“aos espíritos dos justos” [Hb 12.23], palavras estas que nos fazem entender
que somos associados aos santos patriarcas, os quais, ainda que mortos, cultivam
conosco a mesma piedade, de modo que não podemos ser membros de Cristo, a não
ser que nos unamos com eles. Também, a menos que, despojadas dos corpos, retivessem
as almas sua essência e fossem capazes da bem-aventurada glória, Cristo
não teria dito ao ladrão: “Hoje estarás comigo no Paraíso” [Lc 23.43]. Estribados
em testemunhos tão claros, não duvidemos que, segundo o exemplo de Cristo [Lc
23.46], em morrendo, recomendamos nossas almas a Deus; ou, segundo o exemplo
de Estêvão, as confia à guarda de Cristo [At 7.59] que, não sem motivo, é chamado
o fiel Pastor e Bispo delas [1Pe 2.25].
Entretanto, inquirir de seu estado intermediário, com demasia curiosidade, não
é lícito, nem convém. Muitos se atormentam em demasia, disputando que lugar
ocupam as almas nesse estado e se porventura já desfrutam ou não da glória celestial.
Com efeito, é estulto e temerário indagar de causas desconhecidas mais profundamente do que Deus nos permita saber. A Escritura não avança além de dizer
que Cristo está presente com elas e as recebe no Paraíso, para que desfrutem de
consolação, e que as almas dos réprobos, porém, sofrem tormentos segundo seu
merecimento. Que doutor ou mestre, agora, nos revelará o que Deus ocultou? Quanto
ao lugar, a questão não é menos imprópria e fútil, quando sabemos que a alma não
tem essa dimensão que tem o corpo. Que o bem-aventurado congresso dos santos
espíritos é chamado o seio de Abraão [Lc 16.22], abundante penhor nos é de sermos,
nesta peregrinação, acolhidos pelo pai comum dos fiéis, para que partilhe conosco
o fruto de sua fé.
Enquanto isso, uma vez que a Escritura por toda parte nos ordena que dependamos
da expectativa da vinda de Cristo e que prorroga a coroa de glória até esse
momento, estejamos contentes com estes limites divinamente prescritos: uma vez
desincumbidas de sua militância, as almas dos piedosos passa para o bem-aventurado
descanso, onde, com feliz alegria, aguardam desfrutar da glória prometida, e
assim todas as coisas sejam tidas em suspenso todas até que Cristo apareça como
Redentor. Os réprobos, porém, não há dúvida de que têm a mesma sorte que é prescrita
a Judas e aos diabos, a saber, são mantidos atados por cadeias, até que sejam
arrastados ao suplício a que foram destinados[Jd 6].
João Calvino
Escola Bíblica Conhecedores da verdade - O objetivo deste blog e levar você a conhecer a verdade que liberta de todo o Engano. Nesses últimos tempos, muito se tem ouvido falar do evangelho de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, porém de maneira distorcida e muitas vezes pervertida, com heresias disfarçada etc. “ ...e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.” João 8.32