Mas, embora neste empenho conviesse que as mentes humanas se ocupassem
assiduamente, entretanto, como se quisesse de deliberado intento suprimir toda lembrança
da ressurreição, à morte denominaram o fim de todas as coisas e a extinção
do homem. Ora, por certo que Salomão está falando da opinião comum e recebida,
quando diz que “melhor é um cão vivo do que um leão morto” [Ec 9.4]. E, em outro
lugar: “Quem sabe se o fôlego do homem vai para cima, e que o fôlego dos animais
vai para baixo da terra?” [Ec 3.21]. Em todos os séculos, porém, tem grassado este
embotamento bestial, e até na própria Igreja irrompeu-se, por isso os saduceus de
outrora ousaram professar abertamente que não há nenhuma ressurreição [M 22.23;
Mc 12.18; Lc 20.27; At 38.8]; mais ainda, que as almas são mortais.
No entanto, para que ninguém abonasse esta crassa ignorância, à luz do próprio
destino da natureza, os incrédulos sempre tiveram diante dos olhos uma representação
da ressurreição. Pois, a que fim servia o sagrado e inviolável costume de sepultar
os mortos, senão que fosse o penhor de uma vida? Tampouco procede objetar-se
que isso nasceu do erro, porquanto não só entre os santos patriarcas sempre vigorou
o ritual de sepultamento, mas também Deus quis que o mesmo costume subsistisse
entre os gentios, para que a representação da ressurreição assim projetada os despertasse
de seu torpor. Mas, ainda que tal ritual carecesse de proveito, contudo, nos
é útil se atentarmos sabiamente para seu fim, porque não pequena refutação de sua
incredulidade que todos eles, a um tempo, hajam professado o que ninguém cria.
Com efeito, Satanás não apenas embotou os sentidos dos homens para que, juntamente
com os corpos, sepultassem a lembrança da ressurreição, mas que também se
empenhou em corromper esta parte da doutrina com invenções várias, para que,
afinal, se extinguisse. Deixo de considerar o fato de que já no tempo de Paulo Satanás
começou a pervertê-la; mas, pouco depois, seguiram-se os quiliastas, que limitaram
o reinado de Cristo a mil anos. E, em verdade, a ficção desses é por demais
pueril para que tenha necessidade de refutação ou seja ela digna. Tampouco Apocalipse
lhes empresta suporte, do qual certamente tiraram pretexto para seu erro, quando
no número milenário [Ap 20.4] não se trata da eterna bem-aventurança da Igreja,
mas apenas de agitações várias que aguardavam a Igreja a militar na terra. Além
disso, toda a Escritura proclama que jamais haverá fim para a bem-aventurança dos
eleitos, nem para suplício dos réprobos [Mt 25.41, 46].
Com efeito, de todas as coisas que não só nos fogem à visão, mas até superam
em muito o alcance de nossa mente, ou se há de buscar fé nos oráculos infalíveis de
Deus, ou ela tem de ser rejeitada inteiramente. Aqueles que prescrevem aos filhos
de Deus mil anos para usufruírem a herança da vida futura, não se apercebem de
quão afronta lançam tanto a Cristo quanto a seu reino. Porque, se não há de revestir se
de imortalidade, segue-se daí que nem o próprio Cristo, em cuja glória haverão
de ser transformados, foi recebido na glória imortal [1Co 15. 13-16]; se sua bem aventurança
há de ter fim, então o reino de Cristo, a cuja solidez se arrima essa bem aventurança,
é temporária. Por fim, ou são extremamente ignorantes de todas as
coisas divinas, ou diligenciam em tortuosa malignidade por afastar toda a graça de
Deus e o poder de Cristo, dos quais a consumação de outro modo não se estabelece,
a não ser que, obliterado o pecado, e tragada a morte, em plenitude se implante a
vida eterna.
Seu temor de atribuir a Deus uma excessiva crueldade afirmando que os réprobos
já foram predestinados a tormentos eternos, é um desvario tal, que os próprios
cegos o vêem. Grave injúria cometeria Deus privando e desterrando de seu reino
aos que se fizeram indignos dele por sua ingratidão! Mas, replicarão, seus pecados
são temporais. Admito-o, mas a majestade de Deus, e também sua justiça, que em
pecado violaram, é eterna. Logo, é muito justo que a lembrança de sua iniqüidade
não pereça. Mas, insistirão, desta forma a pena excederá a medida do delito. Esta,
porém, é uma blasfêmia que não se pode tolerar, enquanto se estima tão mesquinhamente
a majestade de Deus, não a estimando mais que a condenação de sua alma!
Mas, deixemos fora de consideração esses paroleiros, para que não pareçamos, em
contrário ao que dissemos previamente, julgar dignos de refutação seus desvarios.
João Calvino
Escola Bíblica Conhecedores da verdade - O objetivo deste blog e levar você a conhecer a verdade que liberta de todo o Engano. Nesses últimos tempos, muito se tem ouvido falar do evangelho de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, porém de maneira distorcida e muitas vezes pervertida, com heresias disfarçada etc. “ ...e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.” João 8.32