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quarta-feira, 10 de outubro de 2018

DEUS PRIVA DA GRAÇA SALVÍFICA OS RÉPROBOS E OS DEIXA ENTREGUES À CEGUEIRA MORAL E ESPIRITUAL

Da mesma forma que o Senhor, com a virtude e eficiência de sua vocação, guia os eleitos à salvação, à qual os destinara por seu eterno conselho, assim tambem ele tem seus juízos contra os réprobos, com os quais executa seu desígnio em relação a eles. Portanto, aqueles a quem criou para vileza de vida e ruína de morte, a fim de que venham a ser instrumentos de sua ira e exemplos de sua severidade, para que atinjam a seu fim, ora os priva da faculdade de ouvir sua palavra, ora mais os cega e os endurece por meio de sua pregação. Ainda que sejam inumeráveis os exemplos do primeiro membro dessa díade, no entanto, escolhamos um só, o qual é mais evidente e notável que os demais. Aproximadamente quatro mil anos passaram antes da vinda de Cristo, durante os quais Deus ocultou aos povos toda a luz da doutrina salvífica. Se alguém responde que Deus não os fez possuidores de tão grande benefício, porque os julgou indignos, em nada mais dignos serão seus antecessores. Desta matéria, rica testemunha, e além da experiência, é Malaquias que, condenando-lhes a encredulidade misturada a crassas blasfêmias, no entanto anuncia que o Redentor haverá de vir [Ml 4.1, 2]. Portanto, por que ele é dado antes a estes que àqueles? Em vão se atormenta aquele que aqui procure causa mais alta que o conselho secreto e inescrutável de Deus. Nem é de temer-se que algum discípulo de Porfírio corroa impunemente a justiça de Deus, nada lhe redargüindo nós em favor. Quando, pois, asseveramos que ninguém perece sem que o mereça, e que é graciosa benevolência de Deus que alguns se livrem da condenação e se salvem, isto é suficiente para manter a glória de Deus, e não é mister, segundo se diz, tergiversar-se para defendê-la das calúnias dos ímpios. Portanto, o soberano Juiz dispõe sua predestinação quando, privando da comunicação de sua luz a quem reprovou, os deixa em trevas. Do outro membro, a experiência comum de cada dia e numerosos exemplos da Escritura nos demonstram que é verdade. Perante cem pessoas praticamente se prega o mesmo sermão: vinte o recebem com a pronta obediência da fé; os outros, ou o consideram de nenhuma importância, ou o escarnecem, ou apupam, ou abominam. Se alguém replica que esta diversidade procede da malícia e perversidade dos homens, isso não será suficiente; porque a mesma malícia imperaria também no coração dos demais, se o Senhor por sua graça e bondade não os corrigisse. Portanto, estaremos sempre enlaçados, a menos que nos socorra essa indagação de Paulo: “Quem te diferencia?” [1Co 4.7] – querendo dizer que, se um excede ao outro, não se deve à sua virtude e poder, mas tão-somente à graça de Deus.

João Calvino