Total de visualizações de página

terça-feira, 30 de outubro de 2018

EM CASOS DE PENÚRIA E INDIGÊNCIA, ERAM VENDIDAS AS PRÓPRIAS VESTIMENTAS ECLESIÁSTICAS PARA SOCORRER-SE AOS NECESSITADOS

Com efeito, o que conferiam ao ornato das coisas sagradas era, a princípio, extremamente exíguo; mais tarde, quando a Igreja veio a ser um pouco mais rica, ainda conservaram moderação nessa matéria. E, todavia, tudo quanto de dinheiro aí se juntava permanecia incólume para os pobres, caso alguma necessidade maior sobreviesse. Assim sendo, Cirilo, como a fome houvesse ocupado a província de Jerusalém, nem se podia de outra maneira acudir à indigência, mercanciou vasos e vestes e gastou o produto na alimentação dos pobres. De igual modo, Acácio, bispo de Amida, quando grande multidão de persas esteve a ponto de perecer de fome, convocando os clérigos e fazendo esta preclara oração: “Nosso Deus não tem necessidade nem de pratos, nem de cálices, porque não come, nem bebe”, fundiu os vasos, de onde conseguisse para os míseros não só o alimento, mas também preço de resgate. Jerônimo também, enquanto investe contra o exagerado esplendor dos templos, faz menção honorífica a Exupério, bispo de Tolosa, de seu tempo, que carregava o corpo do Senhor em um cesto de vime e o sangue em um vidro, mas não permitia que nenhum pobre passasse fome.43 O que há pouco disse a respeito de Acácio, Ambrósio menciona acerca de si mesmo, pois, como os arianos o incomodassem porque, para a redenção de cativos, houvesse quebrado os vasos sagrados, usou desta belíssima justificativa: “Aquele que sem ouro enviou os apóstolos, também sem ouro congregou as igrejas. A Igreja tem ouro, não para que o conserve, mas para que o gaste e venha em socorro das necessidades. Que proveito há em guardar o que nada ajuda? Porventura ignoramos quanto de ouro e de prata os assírios arrebataram do templo do Senhor [2Rs 18.15, 16]? Porventura não os funde melhor o sacerdote com vistas ao sustento dos pobres, se outros recursos faltem, que embora os carregue o inimigo sacrílego? Porventura não haverá de dizer o Senhor: ‘Por que permitiste que morressem de fome tantos necessitados? E por certo que tinhas ouro donde ministrassem o alimento! Por que tantos foram levados cativos, nem foram redimidos? Por que tantos foram mortos pelo inimigo? Melhor fora que preservasses os vasos de vivos que os de metais.’ A estas coisas não poderás dar resposta, pois que haverias de dizer? ‘Temi que faltasse ornamento ao templo de Deus.’ Responderia ele: ‘Os sacramentos não requerem ouro, nem com ouro as coisas agradam que com ouro não se compram. O ornato dos sacramentos é a redenção dos cativos’.” Em suma, vemos ter sido muito verdadeiro o que em outro lugar diz o mesmo Ambrósio: “Tudo quanto então possuísse a Igreja veio a ser pecúlio dos carentes.” De igual modo: “O bispo nada tem que não seja dos pobres.”

João Calvino