Igualmente monstruoso é o erro daqueles que imaginam que as almas não receberão
os corpos de que ora são revestidas; mas, antes, serão providas de outros e
novos corpos. Aliás, extremamente fútil foi a razão dos maniqueus, ou, seja, que
mui longe está de ser congruente que a carne, que é imunda, ressurja. É como se as
almas não fossem manchadas de nenhuma imundícia, as quais, no entanto, não excluíam
da esperança da vida celestial! Portanto, eram exatamente como se dissessem
que não pode ser divinamente purificado o que foi infectado pela sordidez do pecado.
Neste sentido, deixo de considerar agora aquele desvario de que a carne é imunda
por natureza, porquanto foi criada pelo Diabo. Estou apenas mostrando que, seja
o que for que ora há em nós indigno do céu, não impede a ressurreição. Com efeito,
em primeiro plano, quando Paulo ordena que os fiéis se purifiquem de toda impureza
da carne e do espírito [2Co 7.1], daí segue o juízo que pronuncia em outro lugar:
que “cada um receba, através do corpo, ou o bem, ou o mal” [2Co 5.10]. Com o que
está de acordo o que escreve aos coríntios: “a vida de Jesus Cristo se manifesta em
nossa carne mortal” [2Co 4.11]. Por essa razão, em outro lugar, ora não menos para
que Deus conserve os corpos íntegros até o dia de Cristo, juntamente com as almas
e espíritos [1Ts 5.23]. Nem é de admirar, pois seria um total absurdo que os corpos que Deus consagrou como seu templo se corrompam sem a esperança da ressurreição
[1Co 3.16; 6.19]. E, ainda mais, por que são também membros de Cristo [1Co
6.15]; porque Deus preceitua que todas suas partes sejam santificadas para ele; e
que seu nome seja exaltado com sua língua, e que os homens ergam ao céu suas
mãos limpas e puras [1Tm 2.8], e que sejam instrumentos para oferecer-lhe sacrifícios
[Rm 12.1]? Portanto, que insânia é essa, reduzir o homem mortal a pó, sem
qualquer esperança de restauração, a parte do homem que o Juiz celestial digna de
tão eminente honra? Paulo, de modo semelhante, quando nos exorta a levar o Senhor
tanto no corpo quanto na alma, uma vez que ambos são de Deus, certamente
não permite que seja condenado à eterna corrupção o que Deus consagrou para si
como santo [1Co 6.19, 20].
Realmente, não há na Escritura artigo de fé mais claro e nítido do que este: que
ressuscitaremos com a mesma carne que possuímos.386 Paulo afirma que, “convém
que o que é corruptível se revista de incorruptibilidade; e que o que é mortal se
revista de imortalidade” [1Co 15.53]. Se Deus formasse novos corpos, onde estaria
esta mudança de qualidade? Se ele dissesse que convém que sejamos renovados, é
provável que a expressão ambígua propiciasse ocasião à cavilação; ora, quando,
com o dedo a apontar para os corpos com que fomos circundados, lhes promete
incorrupção, claramente nega que Deus haverá de formar outro corpo novo. “Pelo
contrário”, diz Tertuliano, “ele não podia falar mais expressamente, senão que tivesse
nas mãos sua própria pele.” Por mais que discorram, não poderão livrar-se
de ser condenados pelo que noutro lugar afirma, quando Paulo, para provar que
Cristo será o juiz do mundo, cita em outro lugar o testemunho de Isaías: “Por mim
mesmo tenho jurado ... diante de mim se dobrará todo joelho” [Is 45.23; Rm 14.11],
quando denuncia abertamente que aqueles mesmos a quem fala serão chamados a
prestar contas da vida, o que não procederia, se diante do tribunal se apresentassem
corpos novos.
Ademais, nas palavras de Daniel não há nada de ambíguo: “E muitos dos que
dormem no pó ressuscitarão, uns para a vida eterna e outros para vergonha e desprezo
eterno” [Dn 12.2], quando Deus não evoca dos quatro elementos matéria nova
para plasmar homens, mas, antes, dos sepulcros evoca os mortos. A própria razão o
confirma. Ora, se a morte, que tem origem na queda do homem, é acidental, a restauração
que Cristo propiciou diz respeito a esse mesmo corpo que começou a ser
mortal. Obviamente, quando a ressurreição é afirmada por Paulo, os atenienses galhofam
[At 17.32], é lícito daí concluir de que natureza foi sua pregação, e só essa
galhofa vale não pouco para confirmar-nos a fé. É também digna de ser observada a
sentença de Cristo: “Não temais aos que matam o corpo, mas não podem matar a alma; ao contrário, temei aquele que pode lançar na Gehena de fogo tanto a alma
quanto o corpo” [Mt 10.28]. Pois nem mesmo haveria motivo para temer, a menos
que o corpo que ora possuímos fosse sujeito ao suplício. Aliás, tampouco é obscura
outra sentença do mesmo Cristo: “A hora vem na qual todos os que estão nos túmulos
ouvirão a voz do Filho de Deus e sairão. Os que fizeram o bem,para a ressurreição
da vida; os que praticaram o mal, porém, para a ressurreição do juízo” [Jo
5.28, 29]. Porventura diremos que as almas descansam nos sepulcros, de sorte que
daí ouçama Cristo, e não antes que, ante sua ordem, os corpos retornarão ao vigor
do qual haviam decaído?
Ademais, se haveremos de ser dotados de corpos novos, onde a conformidade
da Cabeça com seus membros? Porventura Cristo ressuscitou plasmando um corpo
novo para si? Pelo contrário, como havia predito: “Destruí este templo e em três
dias o reerguerei” [Jo 2.19]. O corpo mortal que antes possuía, o recebeu de novo,
pois de mui pouco nos serviria, se em seu lugar fosse posto outro novo, e aquele que
foi oferecido em sacrifício expiatório por nós teria sido destruído. Deve-se manter
também esta associação que o Apóstolo proclama: nós ressurgirmos, porque Cristo
ressurgiu, porquanto nada menos provável é que nossa carne seja privada da ressurreição
de Cristo, na qual levamos em derredor a mortificação do próprio Cristo
[1Co 15.20-22; 2Co 4.10, 11], o que, na verdade, se fez manifesto por destacado
exemplo: quando Cristo ressurgiu, muitos corpos de santos saíram dos sepulcros
[Mt 27.52]. Ora, tampouco se pode negar que isto foi um prelúdio, ou, melhor, o
penhor da ressurreição final que esperamos, a qual outrora já subsistia em Enoque e
Elias, a quem Tertuliano chama de candidatos da ressurreição; porque, subtraídos
à corrupção no corpo e na alma, foram recebidos à guarda de Deus.
João Calvino
Escola Bíblica Conhecedores da verdade - O objetivo deste blog e levar você a conhecer a verdade que liberta de todo o Engano. Nesses últimos tempos, muito se tem ouvido falar do evangelho de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, porém de maneira distorcida e muitas vezes pervertida, com heresias disfarçada etc. “ ...e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.” João 8.32