A fim de propiciar-nos este bem, à Igreja foram dadas as chaves, pois quando
Cristo deu aos apóstolos a comissão e lhes conferiu o poder de remitir os pecados, não quis propriamente que absolvessem dos pecados aqueles a quem convertessem
da impiedade à fé de Cristo, mas antes que se desincumbissem perpetuamente desse
ofício entre os fiéis [Mt 16.19; 18.18; Jo 20.23]. Paulo ensina isto quando escreve
que a missão de reconciliação foi confiada aos ministros da Igreja, para que exortem
ao povo continuamente, em nome de Cristo, a que se reconciliem com Deus
[2Co 5.18]. Portanto, na comunhão dos santos, mercê do ministério da própria Igreja,
nos são continuamente perdoados os pecados, quando os presbíteros ou bispos, a
quem foi confiado este ofício, mediante as promessas do evangelho solidificam as
consciências pias na esperança de perdão e de remissão, e isto tanto pública, quanto
particularmente, conforme a necessidade o requeira. Ora, muitíssimos há que, em
razão de sua fraqueza, necessitam de consolação pessoal, e Paulo afirma que não só
através de pregação pública, mas também de casa em casa, testemunhou a fé em Cristo
e exortou a cada um em particular acerca da doutrina da salvação. [At 20.20, 21].
Portanto, três coisas devemos aqui observar. Em primeiro lugar, por grande que
seja a santidade em que os filhos de Deus se distingam, contudo, sempre que habitarem
no corpo mortal nesta condição, não podem permanecer na presença de Deus
sem a remissão dos pecados; em segundo lugar, este benefício é a tal ponto próprio
da Igreja, que não usufruímos dele de outra sorte senão permanecendo na comunhão;
em terceiro lugar, ele nos é dispensado por intermédio dos ministros e pastores da
Igreja, seja pela pregação do evangelho, seja pela ministração dos sacramentos, e
neste aspecto sobressai especialmente o poder das chaves que o Senhor conferiu à
sociedade dos fiéis. Conseqüentemente, que cada um pense ser este seu dever: não
buscar a remissão dos pecados noutro lugar senão onde o Senhor a colocou. Em seu
devido lugar se falará da reconciliação pública, matéria que diz respeito à disciplina.
João Calvino