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quarta-feira, 3 de outubro de 2018

QUARTA OBJEÇÃO REFUTADA: A DOUTRINA DA PREDESTINAÇÃO DESESTIMULA O ZELO E EMPENHO POR UM VIVER ÍNTEGRO E VIRTUOSO

Para lançar por terra a predestinação, servem-se também disto: que, prevalecendo ela, sucumbem toda solicitude e zelo de agir corretamente. Ora, dizem eles, quem ouvir que Deus fixou ou sua vida ou sua morte por um decreto eterno e imutável, que prontamente não lhe venha à mente que nada interessa como se conduza, uma vez que nada pode impedir a predestinação divina nem promover sua atuação? Assim sendo, todos se arremeterão, e de maneira desbragada se precipitarão para onde quer que os arraste a concupiscência. E obviamente não estão mentindo totalmente, pois que há muitos suínos que conspurcam a doutrina da predestinação com essas impuras blasfêmias, e, até com este pretexto, evadem a todas e quaisquer advertências e censuras: “Deus sabe muito bem o que uma vez determinou fazer conosco; se determinou salvar-nos, quando chegar a hora nos salvará; e se decidiu condenarnos, é inútil nos atormentarmos em vão para salvar-nos.”353 A Escritura, porém, enquanto preceitua com quanto reverência, mas também piedade, devemos meditar em tão grande mistério, tanto aos piedosos instrui em sentido muito diverso, quanto desses cabalmente refuta o celerado destempero. Ora, a predestinação não é celebrada para que sejamos alçados a audácia e tentemos perscrutar por nefária temeridade os inacessíveis segredos de Deus; antes, pelo contrário, para que, humilhados e prostrados, aprendamos a tremer ante seu juízo e a mirar-lhe a misericórdia. Portanto, todos os fiéis avançarão rumo a este alvo.354 Mas esse repelente grunhido de suínos é por Paulo corretamente contido. Dizem prosseguir seguros em seus desregramentos porque, se forem do número dos eleitos, os desregramentos nada haveriam de impedir a que, finalmente, sejam conduzidos à vida. Com efeito, Paulo adverte que fomos eleitos para este fim: para que levemos uma vida santa e irrepreensível [Ef 1.4]. Se o alvo da eleição é santidade de vida, ela deve despertar-nos e estimular ainda mais a alegremente praticá-la do que valer para pretexto de indolência. Pois, quão grandemente dissentem entre si estas duas coisas: cessar de agir bem, porque a eleição basta para a salvação; e o homem é eleito para que se exercite ao zelo do que é bom! Fora, pois, com sacrilégios desta ordem, que indevidamente invertem toda a ordem da eleição! Suas blasfêmias se estendem ainda mais longe quando dizem que haverá de perder seu tempo aquele que for rejeitado por Deus, se por inocência e probidade de vida diligencie por ser aprovado por ele, nisto são de fato argüidos da mais impudente falsidade. Donde, pois, pode nascer tal diligência senão da eleição? Ora, todos quantos são do número dos réprobos, uma vez que são vasos plasmados para desonra, por isso não cessam de provocar a ira de Deus contra si mesmos mediante perpétuas abominações e de evidentes sinais confirmar que já contra si foi proferido o juízo de Deus, tão longe está de que com ele contendam em vão!

João Calvino