Aqui, porém, surge uma questão mais difícil. Com que direito a ressurreição
seja comum aos ímpios e malditos de Deus, que é benefício singular de Cristo?
Sabemos que todos foram condenados à morte em Adão [Rm 5. 12; 1Co 15.22], e
que Cristo veio como “a ressurreição e a vida” [Jo 11.25]. Porventura seria para que
vivifique a todo o gênero humano, indiscriminadamente? Entretanto, que há menos
congruente que conseguirem eles, em sua obstinada cegueira, o que só pela fé recobram
os pios adoradores de Deus? No entanto, isto permanece fixo: que uma é a
ressurreição para o juízo; e que outra, a ressurreição para a vida [Jo 5.29], e que
Cristo há de vir para que cabritos e cordeiros sejam separados [Mt 25.32].
Respondo que não nos deve parecer tão estranho, pois temos a cada dia exemplos
disso. Sabemos que em Adão fomos privados da herança de todo o mundo;
nem, por igual razão, menos excluídos merecermos ser dos alimentos comuns do
que comer da árvore da vida. Donde sucede, pois, que Deus não só “faz nascer seu
sol sobre bons e maus” [Mt 5.45], mas também, quanto respeita às coisas indispensáveis
da presente vida, em farta abundância produz assiduamente sua inestimável
liberalidade? Daqui certamente reconhecemos que as coisas que são próprias de
Cristo e se desdobram de seu membros também para os ímpios, não que lhes seja
posse legítima, mas para que mais inescusáveis se tornem. Certamente, Deus se
mostra muitas vezes tão liberal para com os ímpios, que as bênçãos que dele recebem
os fiéis ficam obscurecidas; mas tudo isso se lhes converte em fel; tudo se
reverterá para sua maior condenação.388
Se alguém objetar que a ressurreição não pode adequadamente ser conferida em
termos de benefícios caducos e terrenos, aqui também replico que, quando primeiro
foram alienados de Deus, a Fonte da Vida, mereceram a perdição do Diabo, na qual
houvesse de perecer totalmente, contudo, mercê do admirável conselho de Deus, foi
engendrado um estado intermédio para que, fora da vida, vivessem na morte. Por
isso não deve parecer-nos absurdo se a ressurreição dos ímpios é acidental, a qual os arrasta a contragosto perante o tribunal de Cristo, a quem agora recusam ouvir como
Mestre e Preceptor. Ora, leve pena seria se fossem consumidos pela morte se, a fim
de sofrerem o castigo de sua contumácia, não se assentassem diante do Juiz, cuja
represália contra si provocaram sem fim e medida. Mas, visto que se impõe manter
o que dissemos e o que contém aquela célebre confissão de Paulo diante de Félix,
que ele esperava a ressurreição futura de injustos e ímpios [At 24.15], a Escritura,
contudo, mais freqüentemente propõe a ressurreição, juntamente com a glória celeste,
só dos filhos de Deus, porque Cristo não veio propriamente para a ruína do
mundo, mas para sua salvação. Por isso, também no credo se faz menção só da vida
bem-aventurada.
João Calvino
Escola Bíblica Conhecedores da verdade - O objetivo deste blog e levar você a conhecer a verdade que liberta de todo o Engano. Nesses últimos tempos, muito se tem ouvido falar do evangelho de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, porém de maneira distorcida e muitas vezes pervertida, com heresias disfarçada etc. “ ...e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.” João 8.32