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quinta-feira, 18 de outubro de 2018

OS ÍMPIOS OU RÉPROBOS, NÃO MENOS QUE OS JUSTOS OU ELEITOS, RESSUSCITARÃO CORPORALMENTE

Aqui, porém, surge uma questão mais difícil. Com que direito a ressurreição seja comum aos ímpios e malditos de Deus, que é benefício singular de Cristo? Sabemos que todos foram condenados à morte em Adão [Rm 5. 12; 1Co 15.22], e que Cristo veio como “a ressurreição e a vida” [Jo 11.25]. Porventura seria para que vivifique a todo o gênero humano, indiscriminadamente? Entretanto, que há menos congruente que conseguirem eles, em sua obstinada cegueira, o que só pela fé recobram os pios adoradores de Deus? No entanto, isto permanece fixo: que uma é a ressurreição para o juízo; e que outra, a ressurreição para a vida [Jo 5.29], e que Cristo há de vir para que cabritos e cordeiros sejam separados [Mt 25.32]. Respondo que não nos deve parecer tão estranho, pois temos a cada dia exemplos disso. Sabemos que em Adão fomos privados da herança de todo o mundo; nem, por igual razão, menos excluídos merecermos ser dos alimentos comuns do que comer da árvore da vida. Donde sucede, pois, que Deus não só “faz nascer seu sol sobre bons e maus” [Mt 5.45], mas também, quanto respeita às coisas indispensáveis da presente vida, em farta abundância produz assiduamente sua inestimável liberalidade? Daqui certamente reconhecemos que as coisas que são próprias de Cristo e se desdobram de seu membros também para os ímpios, não que lhes seja posse legítima, mas para que mais inescusáveis se tornem. Certamente, Deus se mostra muitas vezes tão liberal para com os ímpios, que as bênçãos que dele recebem os fiéis ficam obscurecidas; mas tudo isso se lhes converte em fel; tudo se reverterá para sua maior condenação.388 Se alguém objetar que a ressurreição não pode adequadamente ser conferida em termos de benefícios caducos e terrenos, aqui também replico que, quando primeiro foram alienados de Deus, a Fonte da Vida, mereceram a perdição do Diabo, na qual houvesse de perecer totalmente, contudo, mercê do admirável conselho de Deus, foi engendrado um estado intermédio para que, fora da vida, vivessem na morte. Por isso não deve parecer-nos absurdo se a ressurreição dos ímpios é acidental, a qual os arrasta a contragosto perante o tribunal de Cristo, a quem agora recusam ouvir como Mestre e Preceptor. Ora, leve pena seria se fossem consumidos pela morte se, a fim de sofrerem o castigo de sua contumácia, não se assentassem diante do Juiz, cuja represália contra si provocaram sem fim e medida. Mas, visto que se impõe manter o que dissemos e o que contém aquela célebre confissão de Paulo diante de Félix, que ele esperava a ressurreição futura de injustos e ímpios [At 24.15], a Escritura, contudo, mais freqüentemente propõe a ressurreição, juntamente com a glória celeste, só dos filhos de Deus, porque Cristo não veio propriamente para a ruína do mundo, mas para sua salvação. Por isso, também no credo se faz menção só da vida bem-aventurada.

João Calvino