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quarta-feira, 10 de outubro de 2018

A DOUTRINA DA REPROVAÇÃO NÃO CONTRADIZ, COMO ALEGAM OS OPOSITORES, A EZEQUIEL 33.11

Mas, visto ser costumeiro fazer objeções a umas poucas passagens da Escritura, nas quais Deus parece negar que, por sua ordenação, aconteça que os iníquos pereçam, a não ser até onde, contra seu querer, eles pessoalmente engendram deliberadamente para si a morte, explicando-as sumariamente, demonstraremos que em nada contradizem a tese supra. A passagem de Ezequiel é trazida a lume, a qual reza que “Deus não quer a morte do pecador, mas, antes, que se converta e viva” [Ez 33.11]. Se agrada a Deus estender isto a todo o gênero humano, por que não induz ao arrependimento os muitos cujo espírito é mais flexivelà obediência que o espírito daqueles que, ante seus convites diários, mais e mais se endurecem? Junto aos habitantes de Nínive e de Sodoma, segundo o testemunho de Cristo, a pregação do evangelho e os milagres teriam produzido mais fruto que na Judéia. Se Deus quer que todos venham a ser salvos, como acontece, pois, que aos míseros, que mais preparados estariam para receber a graça, ele não abra a porta do arrependimento? Vejamos daqui quão violentamente é torcida esta passagem, a saber, se a vontade de Deus, que o Profeta lembra, é confrontada com seu eterno conselho, pelo qual distinguiu dos réprobos os eleitos. Ora, se alguém indaga qual é a intenção genuína do Profeta, diremos que ele quer propiciar a esperança de perdão somente aos que se arrependem. E esta é a síntese: não há que duvidar-se de que Deus esteja pronto a perdoar tão logo o pecador seja convertido. De fato ele não quer sua morte, enquanto quer seu arrependimento. A experiência, porém, assim ensina que Deus quer que aqueles que a si convida se arrependam, mas que não toca o coração de todos. Entretanto, não se deve dizer que por isso ele age enganosamente, porquanto, visto que só pela voz externa torna inescusáveis os que a ouvem, contudo, não obedecem, é verdadeiramente considerada testemunho da graça de Deus, mediante o qual ele reconcilia os homens consigo. Tenhamos, pois, em consideração a injunção do Profeta de que a morte do pecador não agrada a Deus, para que os piedosos confiem que, tão logo sejam tocados de arrependimento, seu perdão está imediatamente junto a Deus; os ímpios, porém, se deixam dobrar pelo crime, porque não respondem à tão grande clemência e benignidade de Deus. Logo, a misericórdia de Deus vai sempre junto com o arrependimento, mas a quem é dado o arrependimento, claramente ensinam tanto todos os profetas, quanto os apóstolos, e o próprio Ezequiel.

João Calvino