Portanto, afirmamos que o homem está corrompido
por depravação natural, contudo ela não se originou da própria natureza.
Negamos que essa depravação tenha se originado da própria natureza
como tal, para que deixemos claro que ela é
antes uma qualidade adventícia que sobreveio ao
homem, e não uma propriedade substancial que tenha sido congênita desde o
princípio. Contudo a chamamo natural,
para que alguém não pense que ela é por todos e cada um contraída mercê
de um
exemplo depravado, quando a todos mantenha
aprisionados por vínculo hereditário.
Nem o fazemos sem um patrono, porque, pela mesma
causa, o Apóstolo ensina que somos todos por natureza filhos da ira [Ef 2.3].
Como poderia Deus, a quem uma a uma comprazem suas
mínimas obras, ser inimigo da mais nobre de todas as criaturas? Deus,
porém, é antes inimigo da corrupção de sua obra, e não da própria obra.
Portanto, se, em vista da depravada natureza humana, não se diz absurdamente
que o homem é, por natureza, abominável a
Deus, também não se dirá ineptamente que ele é,
por natureza, depravado e corrupto, da mesma forma que Agostinho não se
arreceia de chamar, em razão da natureza corrupta, de naturais os pecados que,
necessariamente, reinam em nossa carne,
quando lhe está ausente a graça de Deus.
Assim dissipa-se a tola baboseira dos maniqueus
que, como no homem imaginassem malignidade intrínseca, ousaram anexar-lhe um
outro criador, para que não parecessem atribuir ao Deus justo a causa e o
princípio do mal.
João
Calvino