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sábado, 14 de julho de 2018

OUTROS PATRÍSTICOS AO LADO DE AGOSTINHO


Tudo indica que grande preconceito atraí contra minha pessoa quando confessei que todos os escritores eclesiásticos, exceto Agostinho, nesta matéria se expressaram tão ambígua ou variadamente que de seus escritos não se pode ter coisa alguma certa. Ora, alguns haverão de interpretar isto exatamente como se os quisesse privar do direito de opinião, já que todos me são contrários. Eu, porém, outra coisa não tive em vista, a não ser que quis, com candidez e em boa fé, o que demandam as mentes piedosas, as quais, se nesta matéria esperam a orientação desses, sempre flutuarão incertas. Com efeito, ora ensinam que o homem, despojado dos poderes do livre-arbítrio, só na graça se refugia, ora ou o investem, ou parecem investir, de suas próprias armas. Contudo, se aqui eu inserir algumas opiniões deles, nas quais isto é ensinado claramente, não é difícil de provar como transparece na própria ambigüidade desse modo de falar, estimada a virtude humana em nada ou ao mínimo possível, terem eles conferido ao Espírito Santo todo o louvor de todo bem. Pois, que quer dizer esse refrão de Cipriano tantas vezes celebrado por Agostinho: “Não devemos gloriar-nos de nada, porque nada é nosso”,senão que o homem, em si inteiramente destituído de poder, aprenda a depender todo de Deus?36 Que expressa aquela interpretação de Agostinho e Euquério, quando expõem que a árvore da vida é Cristo, para a qual quem estender a mão viverá, e que o livre-arbítrio da vontade é a árvore do conhecimento do bem e do mal, da qual quem provar, preterida a graça de Deus, morrerá? Que significa essa afirmação de Crisóstomo, de que todo homem, por natureza, é não só um pecador, mas ainda é todo pecado? Se nada temos de bom, se da cabeça ao calcanhar o homem é todo pecado, se, na verdade, não é próprio sequer sondar até onde vai a faculdade do arbítrio, quem ouse permitir que se reparta o louvor de uma boa obra entre Deus e o homem? Eu poderia mencionar outros autores número muitíssimo avultado de testemunhos dessa mesma natureza. Entretanto, para que alguém não objete cavilosamente que estou a escolher apenas aqueles que me servem ao propósito, porém manhosamente a preterir os que se lhe contrapõem, abstenho-me desta enumeração. No entanto ouso afirmar isto: por mais extremados que sejam, por vezes, em exaltar o livre-arbítrio, contudo este propósito tem sido seu escopo: ensinar ao homem, inteiramente alijado da confiança de sua própria virtude, a ter sua força posta unicamente em Deus. Chego agora à singela exposição da verdade quanto ao que respeita à real natureza do homem.


João Calvino