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segunda-feira, 1 de outubro de 2018

A ELEIÇÃO É PARA QUE SEJAMOS SANTOS, NÃO PORQUE SOMOS SANTOS; PORTANTO, PARA AS BOAS OBRAS, NÃO PELAS BOAS OBRAS; PARA OS MÉRITOS, NÃO PELOS MÉRITOS

Aliás, onde quer que este decreto divina reine, obra alguma é computada. Essa antítese, é verdade, Paulo não a desenvolve aqui, ela, porém, deve ser subentendida como é explicada em outro lugar por ele mesmo. “[Deus] nos chamou”, diz o Apóstolo, “com santa vocação, não segundo nossas obras, mas segundo seu propósito e a graça que nos foi dada por Cristo antes dos tempos eternos”[2Tm 1.9]. E já o demonstramos nisto que segue: “para que fôssemos também irrepreensíveis” [Ef 1.4], pelo quê toda dificuldade é removida. Podes dizer: “Visto que Deus anteviu que haveríamos de ser santos, por isso nos elegeu” – e assim inverterás a ordem de Paulo. Portanto, com isso podes concluir com certeza: Se ele nos elegeu para que fôssemos santos, então não elegeu porque previa que assim o haveríamos de ser. Ora, estas duas proposituras se conflitam entre si: que os fiéis tenham sua santidade pela eleição, e que pela santidade de suas obras tenham sido eleitos. Tampouco é válido este subterfúgio a que recorrem com freqüência: que o Senhor dá a graça da eleição não como pagamento por méritos prévios, contudo, a concede por méritos futuros. Pois quando se diz que os fiéis foram eleitos para que fossem santos, ao mesmo tempo se indica que a santidade que neles haveria tem sua origem na eleição. Mas, como concordar que o que é o efeito da eleição veio a ser a causa da mesma? Além disso, o Apóstolo confirma ainda mais claramente o que havia dito, acrescentando que Deus nos escolheu “segundo o propósito de sua vontade, que propusera em si mesmo” [Ef 1.5-9], porque “propor Deus em si mesmo” equivale exatamente a que se estivesse dizendo que não considerava nada fora dele que tivesse de levar em conta em seu ato de decretar. Portanto, imediatamente acrescenta que toda a suma de nossa eleição é que sejamos “para o louvor da graça divina” [Ef 1.6]. Por certo que a graça de Deus, em nossa eleição, não merece ser proclamada sozinha, a não ser que esta seja gratuita. Com efeito, esta não será gratuita, se ao eleger os seus o próprio Deus leva em conta de que natureza as obras futuras de cada um hajam de ser. Conseqüentemente, verifica-se valer, generalizadamente, entre todos os fiéis o que Cristo dizia a seus discípulos: “Não fostes vós que me escolhestes; pelo contrário, eu escolhi a vós” [Jo 15.16], onde não apenas exclui os méritos passados, mas também deixa claro que não possuíam em si mesmos nada por que fossem eleitos, não fora que em sua misericórdia os havia antecipado. Como também se deve entender essa indagação de Paulo: “Ou quem lhe deu primeiro a ele, para que lhe seja recompensado?” [Rm 11.35]. Pois com isso Paulo quer mostrar que a bondade de Deus de tal modo antecipa aos homens, que entre eles não acha coisa alguma, no passado e no futuro, mercê do quê concilie com eles seu favor.

João Calvino