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segunda-feira, 1 de outubro de 2018

AGOSTINHO REJEITA QUE A PRESCIÊNCIA DIVINA SEJA A CONDIÇÃO DA ELEIÇÃO

Mas alguns dirão que Ambrósio, Orígenes, Jerônimo defenderam a tese de que Deus dispensa sua graça entre os homens conforme haja previsto que cada um viria a fazer dela bom uso. Afirmam que também Agostinho, por algum tempo, foi deste parecer. Como, porém, houvesse avançado mais no conhecimento da Escritura, não só se retratou dele como evidentemente falso, mas inclusive o refutou firmemente. Com efeito, após a retratação, pressionando os pelagianos por persistirem nesse erro, diz ele: “Quem não admire haver o Apóstolo escapado desta noção tão aguda? Ora, pois, como prescrevera uma cousa estupenda acerca daqueles dois, Esaú e Jacó, ainda não nascidos, e depois lança a si mesmo a pergunta: E então? Porventura há iniqüidade em Deus? [Rm 9.14], esse era o lugar para responder que Deus previra os méritos de um e do outro. Contudo, não diz tal coisa; ao contrário, busca refúgio nos juízos e na misericórdia de Deus.” E, em outro lugar, como excluísse todos os méritos antes da eleição: “Aqui, de fato”, diz ele, “vazio se faz o fútil arrazoado daqueles que defendem a presciência de Deus contra sua graça e nos dizem que foram eleitos antes da formação do mundo porque Deus anteviu que haveríamos de ser bons, não que ele mesmo nos fizesse bons. Não é isso que ele diz: ‘Não fostes vós que me escolhestes; antes, eu vos escolhi’ [Jo 15.16]. Ora, se nos houvesse escolhido porque sabia que seríamos bons, também teria ao mesmo tempo previsto que o haveríamos de escolher.” Valha o testemunho de Agostinho entre aqueles que, de bom grado, aquiescem à autoridade dos pais. Visto que Agostinho não consente em ser dissociado dos demais, contudo mostra, mediante claros testemunhos, ser falsa a calúnia dos pelagianos de que ele mantinha aquela opinião. Ora, ele cita de Ambrósio: “Cristo chama àqueles em favor de quem ele quer igualmente ter compaixão.” E: “Caso ele o quisesse, dos não-devotos teria convertido em devotos, porém Deus chama a quem assim digna e faz religioso a quem assim queira fazer.” Se alguém quisesse encher um volume com os ditos notáveis de Agostinho no tocante a esta matéria, me seria fácil mostrar ao leitor que só de suas palavras que não tenho necessidade de usar outras palavras além das dele; porém, não pretendo molestá-los com prolixidade.
Mas imaginemos que eles não falassem isto. Então atentemos para a própria matéria. O Apóstolo suscitou uma bem difícil, a saber, porventura Deus agiria com justiça se sua graça contemplasse certas pessoas? Questão esta da qual Paulo poderia desvencilhar-se com uma palavra, caso houvesse proposto levar em consideração as obras humanas. Portanto, por que ele não age assim, senão que, antes, dá seguimento a uma tese que se envolve na mesma dificuldade? Por quê, senão porque ele não deve agir assim? Pois o Espírito Santo, por cuja boca falava, não laborava no hábito do esquecimento. Logo, sem quaisquer rodeios,responde: Portanto, Deus mostra favor a seus eleitos, porque assim o queira; por isso tem compaixão deles, porque assim o queira. Ora, o oráculo: “Terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia, e me compadecerei de quem eu me compadecer” [Ex 33.19], vale exatamente como se estivesse dizendo: Deus não é movido à misericórdia por outra razão, senão porque ele quer ser misericordioso. Portanto, esta afirmação de Agostinho permanece verdadeira: “A graça de Deus não acha ninguém a quem deva eleger, mas faz com que os homens sejam aptos a ser eleitos.”

João Calvino