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segunda-feira, 1 de outubro de 2018

NÃO É PROCEDENTE A CAVILAÇÃO DE TOMÁS DE AQUINO DE QUE A PREDESTINAÇÃO DIZ RESPEITO À GRAÇA MERCÊ DA QUAL EXTRAÍMOS MÉRITOS QUE SÃO OBJETO DA PRESCIÊNCIA DIVINA

Não faço caso da sutileza de Tomás de Aquino, o qual diz que, ainda que a presciência dos méritos não possa ser chamada a causa da predestinação no que se refere a Deus, que predestina, contudo, pode ser assim chamada no que diz respeito a nós, como quando afirma que Deus predestinou a seus eleitos para que, com seus méritos, alcancem a glória; porque determinou dar-lhes sua graça para que, com ela, mereçam a glória. Quando, pois, o Senhor não quer que contemplemos nada na eleição, senão sua mera bondade, se alguém aqui deseje visualizar algo mais, será por mera afetação. Porque, caso queira porfiar em sutileza, não falta com que repulsemos o próprio minúsculo sofisma de Tomás. Ele pretende provar que a glória é, de certa maneira, predestinada para os eleitos por seus méritos, porque Deus os predestina à glória pela qual mereçam a glória.
Replico, porém, em contrário, que a predestinação para a graça é subserviente à eleição para a vida, e lhe é como que serva; que a graça é predestinada àqueles aos quais a posse da glória foi prescrita já por longo tempo, visto que o Senhor se deleita em conduzir seus filhos da eleição à justificação. Portanto, daí se seguirá que a predestinação para a glória é a causa da predestinação para a graça, e não ao contrário. Deixemos, porém, de um lado essas disputas supérfluas para os que têm sabedoria suficiente na Palavra de Deus. Porque muito bem disse um doutor antigo que os que atribuem a causa da eleição aos méritos, querem mais do que lhes convém.

João Calvino