Estas considerações seriam, por certo, sobejamente suficientes aos pios e modestos
e que se lembram de que são simplesmente seres humanos. No entanto, uma vez que estes cães virulentos não vomitam contra Deus uma única espécie de blasfêmia,
as responderemos uma a uma, conforme a matéria o requeira. De muitas
maneiras os homens adultos litigam com Deus, como se, por suas acusações, o
mantivessem incriminado. Portanto, primeiro perguntam com que direito o Senhor
se ira contra suas criaturas, das quais não foi provocado previamente por nenhuma
ofensa; porque, condenar e destruir àqueles a quem ele bem quer se enquadra mais
ao capricho de um tirano do que à sentença legítima de um juiz. E assim lhes parece
que os homens têm justo motivo para queixar-se de Deus, se por sua mera vontade,
e sem que eles o mereçam, os predestina à morte eterna.
Se algumas vezes cogitações desta natureza vêm à mente dos homens piedosos,
para quebrar-lhes os impulsos suficientemente armados lhes bastará apenas isto: se
refletirem sobre quão grande improbidade é meramente indagar as causas da vontade
divina, quando ela mesma é a causa de tudo quanto existe, e com razão deve ser
assim. Ora, se houvesse algo que fosse a causa da vontade de Deus, seria preciso
que fosse anterior e que estivesse atada a tal causa, o que não é procedente imaginar-se.
Pois a vontade de Deus é a tal ponto a suprema regra de justiça, que tudo
quanto queira, uma vez que o queira, tem de ser justo. Quando, pois, se pergunta por
que o Senhor agiu assim, há de responder-se: Porque o quis. Porque, se prossigas
além, indagando por que ele o quis, buscas algo maior e mais elevado que a vontade
de Deus, o que não se pode achar. Portanto, contenha-se a temeridade humana e não
busque o que não existe, para que não venha, quem sabe, a acontecer que aquilo que
existe não ache. Afirmo que, com este freio, bem se conterá quem quer que queira
com reverência filosofar acerca dos mistérios de seu Deus.
Contra a audácia dos ímpios, que não temem maldizer abertamente a Deus, o
próprio Senhor se defenderá suficientemente com sua justiça, sem nosso concurso,
quando, alijando de suas consciências toda tergiversação, as forçará e as pronunciará
culpadas e incriminadas. Entretanto, tampouco ingerimos em Deus a ficção de
um poder absoluto, porque, assim como é profana, também com razão nos deve ser
detestável. Não imaginamos um Deus sem lei, ele que lei é para si próprio, porque,
como diz Platão, os homens que laboram em paixões necessitam de leis; mas a
vontade de Deus é não só pura de toda imperfeição, mas também é a suprema regra
da perfeição, inclusive é a lei de todas as leis. Negamos, porém, que ele esteja
sujeito a prestar conta; negamos também que sejamos juízes idôneos, nós que, de
próprio senso, pronunciemos sentença acerca desta causa. Portanto, se tentarmos ir
além do que é permitido, que nos infunda medo aquela sentença do Salmo [51.4] de
que Deus haverá de ser vencedor sempre que for julgado pelo homem mortal.
João Calvino
Escola Bíblica Conhecedores da verdade - O objetivo deste blog e levar você a conhecer a verdade que liberta de todo o Engano. Nesses últimos tempos, muito se tem ouvido falar do evangelho de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, porém de maneira distorcida e muitas vezes pervertida, com heresias disfarçada etc. “ ...e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.” João 8.32