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quarta-feira, 3 de outubro de 2018

TERCEIRA OBJEÇÃO REFUTADA: A ELEIÇÃO IMPLICARIA FAVORITISMO DA PARTE DE DEUS, PARCIALIDADE E ACEPÇÃO DE PESSOAS, O QUE É CONTRÁRIO À ESCRITURA

Ora, seus adversários infamam também a predestinação divina como sendo um terceiro absurdo, porque, uma vez que não atribuímos a outro fator, senão ao arbítrio da vontade divina, que sejam eximidos da ruína universal aqueles aos quais Deus assume por herdeiros de seu reino, disto concluem, pois, que nele há acepção de pessoas, o que a Escritura, por toda parte, nega. Logo, ou a Escritura é em si mesma contraditória, ou na eleição divina há consideração de méritos. Primeiro, a Escritura nega que Deus faça acepção de pessoas em outro sentido, não naquele em que julgam eles, pois que pelo vocábulo pessoa ela não quer dizer o homem, mas aquelas coisas que no homem, evidentes aos olhos, costumam ou conciliar favor, graça, dignidade, ou excitar ódio, desprezo, desonras, como riqueza, posses, poder, nobreza, magistrado, pátria, elegância de forma e outros desse gênero. Igualmente, pobreza, indigência, ignobilidade, descrédito, desprezo, e coisas afins. Assim, Pedro e Paulo ensinam que o Senhor não faz acepção de pessoas [At 10.34; Rm 2.11; Gl 2.6], visto que não faz distinção entre judeu e grego [Gl 3.28], de sorte que a um rejeite, a outro abrace em razão meramente da raça. Assim, Tiago [2.5] usa das mesmas palavras quando quer declarar que Deus em seu juízo não leva em nenhuma conta as riquezas. Mas, Paulo, em outro lugar [Ef 6.9; Cl 3.25], assim fala a respeito de Deus: que em seu julgamento ele não leva em nenhuma consideração a liberdade ou a servidão. Conseqüentemente, não haverá desacordo algum se dissermos que, segundo o arbítrio de seu beneplácito, Deus elege por filhos, sem nenhum mérito, aqueles a quem bem lhe apraz, rejeitando e reprovando os demais. Contudo, para que fiquem mais plenamente satisfeitos, podemos explicar assim: Perguntam como se explica que de dois indivíduos a quem nenhum mérito diferencia, Deus, em Sua eleição, exclua a um e se aproprie do outro. Eu, por minha vez, indago: Porventura crêem que há algo naquele que é eleito por Deus que faça a disposição divina inclinar-se em seu favor? Se confessarem, o que necessariamente se dará, nada haver, seguir-se-á que Deus não atenta para o homem; antes, por sua bondade busca a razão por que a agracie. Portanto, o fato de Deus eleger a uma pessoa e rejeitar a outra, isso não provém de consideração humana, mas de sua mera misericórdia, a qual deve ser livre para manifestar-se e expressar-se onde e quantas vezes lhe apraz. Ora, vemos também em outro lugar que “não foram chamados muitos nobres, ou sábios, ou opulentos”, para que Deus humilhasse a soberba da carne; daí, mui longe está que seu favor se vincule a pessoas! [1Co 1.26].

João Calvino