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quarta-feira, 3 de outubro de 2018

AOS ELEITOS DEUS OS PREDESTINA EM FUNÇÃO DE SUA MISERICÓRDIA; AOS RÉPROBOS, EM FUNÇÃO DE SUA JUSTIÇA

Portanto, alguns acusam a Deus, falsa e mui perversamente, de justiça parcial, porque em sua predestinação não conserva para com todos o mesmo teor. Se, dizem eles, Deus vê a todos como culpados, então que puna a todos de igual modo; se são inocentes, então que afaste de todos o rigor de seu juízo. Com efeito, agem com ele exatamente como se sua misericórdia fosse interditada, ou, enquanto a quer usar, é totalmente compelido a renunciar ao juízo. Que é que estão insistentemente a exigir? Se todos são culpados, que todos juntamente paguem a mesma pena. Admitimos a culpa geral, mas afirmamos que a alguns a misericórdia divina os socorre. Então socorra, insistem, a todos. Ressalvamos, porém, que é justo que o Juiz se mostre justo punindo. Enquanto não admitem tal coisa, que mais pretendem senão ou despojar a Deus da capacidade de exercer misericórdia, ou ao menos permiti-la com esta condição: que ele abdique inteiramente ao juízo? Portanto, estas afirmações de Agostinho350 se enquadram mui esplendidamente: “Uma vez que, no primeiro homem, toda a massa do gênero humano caiu na condenação, os vasos que desta massa são feitos para honra são vasos não de justiça pessoal, mas da misericórdia de Deus. Que outros, porém, sejam feitos para desonra, isso deve ser lançado à conta não da iniqüidade, mas do juízo etc.” “Porque Deus dá em paga a pena devida àqueles a quem rejeita, àqueles a quem chama prodigaliza graça imerecida, está liberado de toda acusação, à semelhança do credor em cujo poder está perdoar a um sua dívida, e exigi-la de outro.”351 Portanto, o Senhor pode também dar graça àqueles a quem bem quiser, porque é misericordioso; não dar a todos, porque é Juiz justo. Dando a alguns o que não merecem, manifesta sua graça gratuita; não dando a todos, declara o que todos merecem.”352 Quando, pois, Paulo escreve que “Deus encerrou tudo debaixo do pecado, para que de tudo tenha misericórdia” [Rm 11.32], deve-se ao mesmo tempo acrescentar que a ninguém é devedor, “porquanto ninguém lhe deu primeiro, para que exija de volta o pagamento” [Rm 11.35].

João Calvino