De fato, depois que, mercê da graça da adoção, o Senhor separou para si o
homem retirado do abismo da perdição, visto que o regenerou e reformou para a
nova vida, como nova criatura [2Co 5.17], com os dons de seu Espírito, agora o
abraça. Esta é aquela aceitação de que Pedro faz menção [At 10.34; 1Pe 1.17], pela
qual, após sua vocação, os fiéis são aprovados por Deus também com respeito às
obras, porque é impossível que o Senhor não ame e afague as boas coisas que, por
seu Espírito, neles opera. Mas, deve-se ter isto sempre reiterado na memória, a
saber, que esses são aceitos por Deus, em virtude das obras, não de outra maneira,
senão porque, em deferência àqueles a quem abraça o favor, tudo quanto de boas
obras conferiu, aumentando sua liberalidade, digna também de sua aceitação. Donde,
pois, têm eles as boas obras, senão que o Senhor, da mesma forma que os escolheu
como vasos para honra [Rm 9.21], assim os quer adornar com verdadeira pureza?
Donde também elas são tidas por boas obras, como se nada lhes faltasse, senão
porque o Pai benigno concede perdão às manchas e nódoas que as contaminam?
Em suma, outra razão não existe nesta passagem para que seus filhos sejam
agradáveis e amáveis a Deus, nos quais visualiza traços e marcas de sua própria
imagem, pois já ensinamos em outro lugar que a regeneração é a restauração da
imagem divina em nós. Portanto, uma vez que, sempre que Deus contempla sua
face, não só a ama com razão, como também a tem em honra, não sem causa se diz
que a vida dos fiéis lhe é aprazível, afeiçoada à santidade e à justiça. Visto, porém,
que, envolvidos pela carne mortal, os piedosos continuam ainda pecadores e suas
boas obras são só imperfeitas e saturadas da corrupção da carne, nem àqueles, nem
a estas pode Deus ser propício, a menos que os abrace em Cristo, mais do que em si
mesmos.
Desta maneira devem ser recebidas as referências que testificam ser Deus clemente e misericordioso para com amantes da justiça. Dizia Moisés aos israelitas:
“O Senhor, teu Deus, que guarda o pacto e a misericórdia para com os que o amam
e guardam Seus preceitos, até mil gerações” [Dt 7.9], afirmação que foi mais tarde
usada pelo povo como uma fórmula comum. Assim Salomão, em sua oração solene:
“Ó Senhor, Deus de Israel, que guardas o pacto e a misericórdia para com teus
servos, que andam diante de ti de todo o seu coração” [1Rs 8.23]. As mesmas palavras
são repetidas também por Neemias [Ne 1.5]. Porque, deveras, em todos os
pactos de sua misericórdia Deus exige formalmente de seus servos, por seu turno,
integridade e santidade de vida, para que sua bondade não seja alvo de motejo; nem,
inflado de vã exultação por esse fato, alguém bendiga sua alma, contudo andando
na depravação de seu coração [Dt 29.19], conseqüentemente, Deus quer, por essa
via, manter em seu papel os admitidos à comunhão do pacto; contudo, desde o
início, não somente o próprio pacto é em nada menos admitido como gracioso, como
também assim permanece perpetuamente. Segundo esta consideração, embora proclame
sua recompensa lhe foi conferida pela pureza de suas mãos [2Sm 22.21; Sl
18.20], contudo, Davi não omite essa fonte que mencionei, de que fora tirado do
ventre porque Deus o amou. Ao falar desse modo, ele mantém que sua causa é justa
e boa; mas, de tal modo, que em nada denigre a misericórdia de Deus, a qual precede
a todos os dons e benefícios, dos quais é a fonte e origem.
João Calvino
Escola Bíblica Conhecedores da verdade - O objetivo deste blog e levar você a conhecer a verdade que liberta de todo o Engano. Nesses últimos tempos, muito se tem ouvido falar do evangelho de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, porém de maneira distorcida e muitas vezes pervertida, com heresias disfarçada etc. “ ...e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.” João 8.32