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quinta-feira, 20 de setembro de 2018

DO GALARDÃO PROMETIDO DEDUZ-SE IMPROPRIAMENTE A JUSTIÇA DAS OBRAS

SENTIDO EM QUE ÀS OBRAS SE ATRIBUI GALARDÃO OU RECOMPENSA

Passemos agora a essas passagens que afirmam que Deus haverá de retribuir a cada um segundo suas obras [Mt 16.27], e de qual modalidade são: “Cada um receberá o que fez no corpo, seja bom, seja mau” [2Co 5.10]; “glória e honra ao que pratica o bem; tribulação e angústia a toda alma que pratica o mal [Rm 2.9,10]; e “os que tiverem feito coisas boas, à ressurreição da vida; os que tiverem feito o mal, à ressurreição do juízo” [Jo 5.29]; “vinde, benditos de meu Pai, porque tive fome, e me destes alimento; tive sede, e me destes de beber” [Mt 25.34, 35] etc. E a essas ajuntemos também aquelas que chamam o galardão das obras de vida eterna, gênero em que estão: “A retribuição das mãos do homem se lhe pagará” [Pv 12.24]; “aquele que teme o mandamento será recompensado” [Pv 13.13]; “regozijai-vos e exultai” [Mt 5.12]; “eis que abundante é vosso galardão nos céus” [Lc 6.23]; “cada um receberá recompensa segundo seu labor” [1Co 3.8]. Que a cada um se diz que Deus haverá de recompensar segundo suas obras [Rm 6.2], com pouca dificuldade se explica. Ora, esse fraseado mais do que causa indica ordem de seqüência. Pois está além de dúvida que o Senhor consuma nossa salvação mediante esses passos de sua misericórdia, enquanto chama a si os eleitos, justifica aos chamados, glorifica aos justificados [Rm 8.30]. Portanto, ainda que de sua mera misericórdia acolha os seus à vida, no entanto, uma vez que à sua posse os conduz através do estádio das boas obras, a fim de que neles execute sua obra conforme a ordem que estabeleceu, não surpreende se lemos que são coroados segundo suas obras, pelas quais são, não dubiamente, preparados para receberem a coroa da imortalidade. Senão que, por esta razão, se diz convenientemente que “efetuam sua própria salvação” [Fp 2.12]; enquanto, ao devotar-se às boas obras, meditam na vida eterna, exatamente como em outro lugar se lhes ordena que “trabalhem pelo alimento que não perece” [Jo 6.27]; enquanto, ao crerem em Cristo, adquirem para si a vida. E, no entanto, imediatamente se adiciona “que o Filho do homem vos haverá de dar” [Jo 6.27]. Do quê se faz patente que o termo efetuar, ou trabalhar, ou operar, de modo algum se opõe à graça; ao contrário, refere-se à consagração, e em conseqüência não se segue que ou os próprios fiéis sejam os autores de sua salvação, ou ela emane de suas obras.
E então? Tão logo, mercê do conhecimento do evangelho e da iluminação do Espírito Santo, são admitidos à comunhão de Cristo, a vida eterna é principiada neles. Ora, a boa obra que Deus neles principiou carece que também continue em perene atividade até o dia do Senhor Jesus [Fp 1.6]. Contudo, ela estará plenamente efetuada quando, refletindo o Pai celeste em justiça e santidade, provem ser seus filhos não indignos.

João Calvino