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segunda-feira, 24 de setembro de 2018

CONSIDERAÇÕES FINAIS EM REFUTAÇÃO À DOUTRINA DA INTERCESSÃO DOS CHAMADOS SANTOS DO ROMANISMO

Seja a conclusão de tudo isso o fato de que, quando a Escritura nos recomenda que o invoquemos como o ponto capital no culto de Deus – pois estima mais este dever que todos os demais sacrifícios –, de nós exige este mister da piedade, é um manifesto sacrilégio dirigir a outros a oração. Donde, também no Salmo, se diz: “se estendemos nossas mãos para um deus estranho, porventura Deus não esquadrinhará isso?” [Sl 44.20, 21]. Além disso, quando Deus quer ser invocado só pela fé, ele ordena expressamente que as orações se conformem à regra de sua Palavra; finalmente, quando a fé fundamentada na Palavra é a mão da oração correta, assim que se desvia da Palavra, a oração necessariamente se corrompe. Com efeito, já demonstramos que em toda a Escritura esta honra é reservada exclusivamente a Deus. No que diz respeito à função da intercessão, também já notamos ser ela ofício peculiar a Cristo, e que nenhuma outra oração é agradável a Deus senão aquela que este Mediador santifica. E ainda que os fiéis mutuamente ofereçam orações diante de Deus em favor dos irmãos, já mostramos que isso nada derroga à intercessão única de Cristo, já que todos recomendam a Deus tanto a si mesmos, quanto aos outros, nela igualmente se apóiam. Além disso já ensinamos que isto é nesciamente atribuído aos mortos, aos quais jamais lemos ser ordenado que orem por nós. A Escritura nos exorta com freqüência as obrigações mútuas deste exercício; no entanto, dos mortos nem sequer uma sílaba. Tiago, com efeito, enfeixando estas duas injunções, que entre nós confessemos nossos pecados e oremos uns pelos outros [Tg 5.16], tacitamente exclui os mortos. Conseqüentemente, é suficiente esta única razão para se condenar este erro: que o início da oração correta provém da fé; que a fé, porém, procede de ouvir a Palavra de Deus [Rm 10.14, 17], onde nenhuma menção se faz da fictícia intercessão dos santos, visto que a superstição engendrou para si, temerariamente, patronos que não foram divinamente providenciados. Porque, embora na Escritura haja muitas formas de oração, não se encontrará nela um só exemplo que confirme a intercessão dos santos falecidos, sem a qual no papado não se tem por verdadeira e eficaz nenhuma intercessão.289 Ademais, é evidente que esta superstição nasceu da falta de fé, porque ou não se contentaram com Cristo como intercessor, ou o despojaram inteiramente deste mérito. E este último ponto facilmente se prova à luz de sua impudência, porquanto não pugnam, com outro argumento mais forte, ser-nos necessário o patrocínio dos santos senão em objetar que somos indignos de acesso íntimo a Deus. De fato confessamos ser isto mui verdadeiro, mas daí concluímos que eles não fazem caso algum de Cristo, pois têm sua intercessão como algo de nenhum valor, se não a acompanham com a de São Jorge, a de São Hipólito e a de outros espantalhos semelhantes.

João Calvino