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quinta-feira, 20 de setembro de 2018

O GALARDÃO OU RECOMPENSA QUE NA ESCRITURA SE PROMETE ÀS OBRAS É EXPRESSÃO DA GRAÇA, NÃO MÉRITO PESSOAL

Contudo, tampouco o Senhor nos engana ou zomba de nós quando diz que recompensa às obras o que gratuitamente havia dado antes das obras. Porque, como queria que fôssemos exercitados pelas boas obras a meditar, por assim dizer, a exibição ou fruição dessas coisas que prometeu, e através delas açodar-nos a que porfiemos à bem-aventurada esperança a nós proposta nos céus, devidamente se lhes consigna também o fruto das promessas, a cujo sazonamento as obras nos conduzem cabalmente. A um e outro desses dois aspectos elegantemente os expressou o Apóstolo, quando diziaque os colossenses se empenhavam nos deveres da caridade, por causa da esperança a si posta nos céus, “da qual havíeis antes ouvido pela palavra do evangelho genuíno” [Cl 1.5]. Ora, quando o Apóstolo diz que pelo evangelho haviam conhecido a esperança a si posta nos céus, ele está declarando que ela é sustentada somente em Cristo, mas não em alguma obra; ao que corrobora essa afirmação de Pedro, de que “os piedosos são guardados pelo poder de Deus, mediante a fé, para a salvação que foi preparada para manifestar-se a seu tempo” [1Pe 1.5]. Ao dizer que eles se esforçam por esta causa em trabalhar bem, demonstra que os fiéis devem correr durante toda sua vida para a alcançar. Mas para que não pensássemos que a recompensa que o Senhor nos promete é reduzida a matéria de mérito, Jesus propôs uma parábola em que se fez um chefe de família que envia ao cultivo de sua vinha a todos quantos encontra pelo caminho. Uns, na verdade, na primeira hora do dia; outros, na segunda; outros, na terceira; alguns até mesmo na undécima. Ao fim da tarde, paga a todos salário igual [Mt 20.1-10]. A exposição desta parábola, cuja interpretação abarcou-a sucinta e verdadeiramente o escritor antigo – afinal não importa quem tenha sido ele –, cujo livro, De Vocatióne Gentium [A Vocação dos Gentios], é veiculado sob o nome de Ambrósio. Farei dele mais uso que de minhas próprias palavras. “Pela regra desta comparação”, diz ele, “o Senhor afirmou a variedade de sua multiforme vocação atinente a uma e única graça; onde, sem dúvida, os que, enviados à vinha na undécima hora, são igualados aos trabalhadores do dia inteiro, representam a sorte daqueles a quem, a fim de recomendar a excelência da graça, a divina munificência remunerou no declínio do dia; vale dizer, na conclusão da vida, pagando não o estipêndio ao labor, mas, derramando as riquezas de sua bondade naqueles a quem elegeu sem as obras, para que também os que suaram em muito labor, não receberam mais do que os últimos, compreendam que receberam uma dádiva da graça, não uma paga de obras.”251 Finalmente, isto é também digno de ser notado: nestas passagens, onde a vida eterna é chamada recompensa das obras, não se toma simplesmente como aquela comunhão que temos com Deus até chegarmos à bem-aventurada imortalidade, quando em Cristo nos abraça sua paterna benevolência; mas, ao contrário, como a posse, ou, como dizem, a “fruição” da bem-aventurança, assim como também o expressam as próprias palavras de Cristo: “No mundo futuro a vida eterna” [Mc 10.30]. E, em outro lugar: “Vinde, possuí o reino” etc. [Mt 25.34]. Por esta razão também Paulo chama adoção a revelação da adoção que se fará na ressurreição, e depois a interpreta como a redenção de nosso corpo [Rm 8.23]. Mas, de outra sorte, como a separação de Deus é a morte eterna, assim, quando o homem é recebido por Deus à graça para que usufrua de sua comunhão e se faça um com ele, é transferido da morte à vida, o que acontece só pelo beneficio da adoção. E se eles insistem, segundo seu costume, com pertinácia na expressão “salário das obras”, sairemos a seu encontro com o que diz Pedro: que a vida eterna é a recompensa da fé [1Pe 1.9].

João Calvino