E então? Porventura as promessas foram dadas para que se desvanecessem sem
fruto? Já testifiquei há pouco que este não é meu parecer. Com efeito, afirmo que
sua eficácia não estende a nós enquanto tivermos em mira os méritos das obras, as
quais, se consideradas em si mesmas, de certa forma, estão abolidas. E assim lemos
nesta passagem: “Dei-vos bons preceitos, os quais, quem os cumprir, neles viverá”
[Ez 20.11]. O Apóstolo ensina que nenhuma relevância existe se nos detemos nela;
porque, nem ainda os mais santos servos de Deus podem fazer o que ela exige, já
que todos estão mui longe de cumpri-la e se acham cercados de todos os lados por
numerosas transgressões.236
Quando, porém, as promessas do evangelho são substituídas por elas, as quais
proclamam a remissão gratuitados pecados, não apenas fazem com que nós mesmos
sejamos aceitáveis a Deus, mas também que nossas obras tenham seu favor. Não
apenas que o Senhor as tenha como agradáveis, mas ainda que as cumule das bênçãos
que, em função do pacto, eram devidas à observância de sua lei. Portanto,
confesso que às obras dos fiéis se atribuem as recompensas que, em sua lei, o Senhor
prometeu aos cultores da justiça e da santidade, contudo nesta retribuição deve
ser sempre considerada a causa que granjeia favor para as obras. Verificamos que,
de fato, esta é tríplice.
A primeira é que Deus, não olhando para as obras de seus servos, as quais sempre
merecem mais reprovação do que louvor, os abraça em Cristo, e interpondo-se
somente a fé, os reconcilia consigo à parte da participação das obras. A segunda,
que as obras, não as estimando por sua própria dignidade, mercê de sua paterna
benignidade e indulgência, lhes imprime certo valor e lhes presta certa atenção. A
terceira, Deus acolhe a essas mesmas obras com perdão, sem imputar-lhes qualquer
imperfeição, que de tal maneira as poluem que, de outra sorte, seriam computadas
mais aos pecados do que às virtudes. E daqui se faz evidente quão profundamente
enganados são os sofistas que pensaram haver-se evadido magistralmente a todos os absurdos, quando dissessem que as obras não valem por sua bondade intrínseca
para que mereçam a salvação, mas em razão do pacto que o Senhor, por sua liberalidade,
tanto as estimou. Entrementes, não observavam da perspectiva da condição
das promessas, o quanto se distanciaram as obras que queriam que fossem meritórias,
a menos que as precedesse não só a justificação sustentada somente na fé, mas
também a remissão dos pecados, mercê da qual mesmo as boas obras têm necessariamente
de ser purificadas de manchas. Dessa forma, das três coisas da divina
liberalidade, mercê das quais acontece que são aceitáveis as obras dos fiéis, assinalaram
apenas uma; suprimiram as outras duas, e certamente as principais.
João Calvino
Escola Bíblica Conhecedores da verdade - O objetivo deste blog e levar você a conhecer a verdade que liberta de todo o Engano. Nesses últimos tempos, muito se tem ouvido falar do evangelho de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, porém de maneira distorcida e muitas vezes pervertida, com heresias disfarçada etc. “ ...e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.” João 8.32