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quinta-feira, 20 de setembro de 2018

A PRIMEIRA FUNÇÃO DA DOUTRINA DA LIBERDADE CRISTÃ É LIBERTAR-NOS DA SERVIDÃO DA LEI

A liberdade cristã, como de fato a entendo, está contida em três partes. A primeira, que as consciências dos fiéis, enquanto buscam diante de Deus confiança de sua justificação, se erguem acima da lei e esquecem toda justiça provinda dela. Ora, como já foi demonstrado em outro lugar, uma vez que a lei a ninguém faz justo, ou somos excluídos de toda esperança de justificação, ou temos de ser libertados dela, de tal sorte que não haja nenhuma consideração pelas obras humanas. Ora, aquele que pensa que, para obter a justiça, deve trazer ao menos um mínimo de obras, não pode prefixar-lhes a medida ou limite; ao contrário, o mesmo se constitui devedor de toda a lei. Portanto, excluída a menção da lei e posta de lado toda cogitação de obras, quando se trata de justificação é indispensável abraçar a mera misericórdia de Deus e, desviando de nós mesmos nosso olhar, contemplemos unicamente a Cristo. Pois aí não se indaga como podemos ser justos, mas, ao contrário, como, embora injustos e indignos, podemos ser tidos por justos, coisa essas que, caso se queira que as consciências alcancem alguma certeza, não devem dar margem alguma à lei. Tampouco daqui alguém pode inferir corretamente que a lei seja supérflua aos fiéis, aos quais não deixa por isso de ensinar, exortar e estimular ao bem, ainda que em referência ao tribunal de Deus não haja lugar em suas consciências. Ora, como muitíssimo diversas são estas duas coisas, assim devem ser por nós apropriadas e cuidadosamente distinguidas. Toda a vida dos cristãos deve ser uma como que meditada prática da piedade, porquanto foram chamados à santificação [Ef 1.4; 1Ts 4.3, 7]. Nisto está situada a função da lei: que advertindo os cristãos de seu dever, ao zelo da santidade e da inocência os excite. Mas onde as consciências estão preocupadas em ter a Deus como propício, o que haverão de responder e com que confiança hajam de firmar-se, se a seu juízo forem chamados, aqui não há de levar-se em conta o que a lei requer, mas que devem ter diante de seus olhos como sua única justiça a Jesus Cristo, a qual excede a toda a perfeição da lei.

João Calvino