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segunda-feira, 24 de setembro de 2018

PROPRIEDADE E REQUISITOS DO CANTO NA IGREJA

No entanto é também preciso abordar de passagem o costume de cantar na igreja, não só como evidência muito antiga, mas também esteve em uso nos dias dos apóstolos, o que destas palavras de Paulo é lícito concluir: “Cantarei com o espírito, mas também cantarei com o entendimento” [1Co 14.15]. Igualmente, aos Colossenses: “Ensinando e admoestando-vos mutuamente com hinos, salmos e cânticos espirituais, cantando ao Senhor com gratidão em vossos corações” [Cl 3.16]. Ora, na primeira dessas passagens ele preceitua que se deve cantar com a voz e com o coração; na segunda, recomenda cânticos espirituais com os quais os piedosos se edificam mutuamente.
Contudo, que esse costume não era universal o comprova Agostinho, o qual menciona que a igreja de Milão começou a cantar sob Ambrósio, quando Justina, mãe de Valentiniano, rugia furiosamente contra a fé ortodoxa, e geralmente o povo era mais assíduo em vigília. Mais tarde as demais igrejas ocidentais anuíram ao costume. Mas, ele disse um pouco antes que este costume proviera das igrejas orientais. No livro II das Refutações também indica que em seu tempo essa prática foi recebida na África. “Com efeito”, diz ele, “um certo Hilário, um ex-tribuno, onde quer que podesse, lacerava com repreensão maldizente o costume que então começara a existir em Cartago, a saber, que hinos eram proferidos do livro dos Salmos diante do altar, ou antes da oblação, ou quando se distribuía ao povo o que fora oferecido. A esse respondi, por insistência dos irmãos.” Certamente que, se por um lado o cântico se acomoda à gravidade que convém à vista de Deus e dos anjos, se por outro concilia dignidade e graça aos atos sacros, é de muito valor para incitar os ânimos ao verdadeiro zelo e ardor no ato de orar. Contudo, impõe-se diligentemente guardar que os ouvidos não estejam mais atentos à melodia que a mente ao sentido espiritual das palavras. Com este perigo, em alguma parte o mesmo Agostinho se confessa mui perturbado pelo fato de que às vezes desejava que se estabelecesse o costume observado por Atanásio, o qual mandava o leitor expressar-se com tão reduzida inflexão da voz que mais se avizinhava daquele que declama do que daquele que canta. Quando, porém, se lembrava de quão grande beneficio os cânticos lhe haviam conferido, inclinava-se para o outro lado.296 Portanto, aplicada esta moderação, não há dúvida nenhuma de que seja uma prática muito santa e muito sadia; da mesma forma que, por outro lado, todos e quaisquer cantos que foram compostos apenas para o encanto e o deleite dos ouvidos, nem são compatíveis com a majestade da Igreja, nem se pode entoá-los sem desagradar sobremaneira a Deus.

João Calvino