Por fim, a quarta regra é que, assim prostrados e subjugados em verdadeira
humildade, não obstante sejamos animados a orar, com segura esperança de alcançar resposta. Parecem coisas bem contrárias à primeira vista unir com o sentimento
da justa cólera de Deus, a confiança em seu favor; e no entanto, ambas as coisas
estão muito de acordo entre si, se oprimidos por nossos vícios, somos levantados
pela mera bondade de Deus. Ora, como ensinamos previamente, que arrependimento
e fé, elementos dos quais, entretanto, um nos aterra, o outro nos arrebata de
alegria, são parceiros ligados entre si de um vínculo inseparável, assim nas preces
importa que se fundam em reciprocidade. E Davi esprime este acordo, em poucas
palavras: “Eu”, diz ele, “entrarei em tua casa na multidão de tua bondade; com
temor adorarei no templo de tua santidade” [Sl 5.7]. Sob a bondade de Deus ele
compreende a fé, não excluindo, enquanto isso, o temor, visto que não só sua majestade
nos compele à reverência, como também, esquecidos de toda soberba e segurança
própria, sob o medo nos contém o senso de nossa própria indignidade. Na
verdade, não entendo confiança como sendo a que afague a mente com suave e
perfeita quietude, liberada de todo senso de ansiedade, pois aquietar-se assim tão
placidamente pertence àqueles que, usufruindo de todas as coisas conforme o desejo,
não deixam tanger por nenhuma preocupação, não são abrasados por nenhum
desejo, nenhum temor os atormenta.
Aos santos, porém, o melhor estímulo para a invocação de Deus é que, enquanto
são acossados por sua necessidade, são acometidos por sua inquietação e pouco
falta a que desfalecidos se quedem em si mesmos, até que, oportunamente, a fé os
socorra; pois que entre angústias tais, de tal modo se manifesta a bondade de Deus,
que de fato gemem, cansados pelo peso dos males presentes, até se esforçam e se
sentem opressos pelo temor de males maiores; contudo, nela confiados, não só superam
a dificuldade de tê-las de suportar, e são confortados, mas ainda nutrem esperança
de escape e livramento. Portanto, convém que a oração do homem piedoso
emerja de uma outra dessas duas disposições; além disso, a uma e outra contenha e
represente. Isto é, que gema com os males presentes e que ansiosamente se arreceie
de que seja acometido por novos vindouros; contudo, ao mesmo tempo, em Deus se
refugie, de modo nenhum duvidando de que ele esteja pronto a estender sua mão
ajudadora. Pois, é espantoso como Deus se irrita com nossa falta de confiança, se
dele rogamos beneficência pela qual não nutrimos esperança. Conseqüentemente,
nada mais próprio à natureza das orações que prescrever-se e estatuir-se-lhes esta
lei: que não se precipitem às cegas, mas que sigam a fé a precedê-las como um guia.
Cristo chama a todos nós a este princípio, com esta exclamação: “Por isso vos
digo que todas as coisas que pedirdes, orando, crede receber, e as tereis” [Mc 11.24].
O mesmo confirma também em outro lugar: “Tudo quanto tiverdes pedido em oração,
crendo” etc. [Mt 21.22]. Com isso concorda Tiago: “Se alguém tem falta de sabedoria, peça-a àquele que a todos dá liberalmente, nem recrimina; peça, porém,
com fé, nada duvidando” [Tg 1.5, 6]. Onde, a fé opondo à dúvida, com muita propriedade
expressa o poder desta. Não é menos notável o que também acrescenta: que
nenhum proveito teriam os que invocam a Deus perplexos e medrosos, nem em seus
ânimos consideram que serão ou não ouvidos [Tg 1.7], os quais até compara às ondas
que são variadamente revolvidas pelo vento e levadas em torvelinhos [Tg 1.6]. Do quê
designa ele em outro lugar [Tg 5.15], ser a oração da fé uma legítima oração. Então,
quando tantas vezes Deus declara que a cada um haverá de dar segundo sua fé [Mt
8.13; 9.29; Mc 11.24], evidenciaque nada podemos conseguir à parte da fé.
Em suma, é a fé que alcança tudo quanto se concede no ato de orar. Isto significa
essa famosa sentença de Paulo, para a qual pouco atentam os homens sem discernimento:
“Como alguém invocará àquele em quem não crêem? Quem, porém, crerá, a
não ser que ouça?” [Rm 10.14]. “A fé, porém, procede do ouvir; o ouvir procede da
Palavra de Deus” [Rm 10.17]. Porque, deduzindo, passo por passo, o princípio da
oração da fé, demonstra com toda clareza que não é possível que alguém invoque
sinceramente a Deus, a não ser aquele a quem, pela pregação do evangelho, se faz
conhecer sua clemência e bondade; aliás, tenha sido exposta de forma bem íntima.
João Calvino
Escola Bíblica Conhecedores da verdade - O objetivo deste blog e levar você a conhecer a verdade que liberta de todo o Engano. Nesses últimos tempos, muito se tem ouvido falar do evangelho de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, porém de maneira distorcida e muitas vezes pervertida, com heresias disfarçada etc. “ ...e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.” João 8.32