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sábado, 22 de setembro de 2018

IMPÕE-SE REITERAR A CERTEZA DA FÉ EM QUE DEUS NOS RESPONDERÁ ÀS PRECES, EM CONTRAPOSIÇÃO À RENITÊNCIA DAQUELES QUE O NEGAM

Desta necessidade bem pouco cogitam nossos adversários. Daí quando instamos com os fiéis a que, com segura confiança de espírito, estejam convictos de que Deus lhes é propício e benévolo, pensam que estamos afirmando a mais absurda de todas as coisas. Com efeito, se tivessem alguma experiência da verdadeira oração, realmente compreenderiam que não se pode invocar corretamente a Deus sem esse sólido senso da benevolência divina. Quando, porém, ninguém pode perceber bem o poder da fé, a não ser aquele que a sente por experiência em seu próprio coração, que proveito terias disputando com homens dessa estirpe, que mostram francamente que nada jamais tiveram, senão imaginação fútil? Ora, quão importante e necessária é esta certeza da qual tratamos, se pode compreender principalmente pela invocação de Deus. O que não entender isto demonstra que tem uma consciência sobremodo obscura. Portanto, deixando de parte esse gênero de cegos, apegue mo-nos firmes a essa declaração de Paulo: que Deus não pode ser invocado por nenhum outro, senão por aqueles que conhecem sua misericórdia no evangelho [Rm 10.14] e já foram persuadidos, com toda convicção, de que ela lhes foi concedida. Ora, que espécie de oração será esta: “Ó Senhor, na verdade estou em dúvida se porventura me queiras ouvir; contudo, porque estou dominado por essa ansiedade, me refugio junto de ti, para que, caso eu seja digno, me socorras”? Todos os santos angustiados dos quais lemos as orações nas Escrituras não são assim. Nem assim nos instruiu o Espírito Santo através do Apóstolo que nos manda que “nos aproximemos do trono celestial com confiança, para alcançarmos graça” [Hb 4.16]; e quando, em outro lugar, ensina que “temos ousadia e acesso em confiança, pela fé em Cristo” [Ef 3.12]. Portanto, se queremos orar com proveito, é indispensável que agarremos com ambas as mãos esta certeza de que obtemos o que pedimos, a qual não só nos manda o Senhor de sua voz, mas também, por seu exemplo, todos os santos nos ensinam. Pois, afinal, a oração aceitável a Deus é aquela que, por assim dizer, nasce dessa fé pressuposta e esta tem por base a tranqüila convicção da esperança. Podia ele contentar-se com a simples menção da fé. Entretanto, não só lançou mão da confiança, mas também a proveu da liberdade ou ousadia, a fim de que, com esta marca, nos distinguisse dos incrédulos, os quais de fato oram conosco a Deus, indiscriminadamente, mas de forma fortuita. Razão por que toda a Igreja ora no Salmo: “Seja sobre nós a tua misericórdia, assim como esperamos em ti” [Sl 33.22]. A mesma condição, também em outro lugar, é introduzida pelo Profeta: “Quando eu a ti clamar, então meus inimigos voltarão para trás: isto sei, porque Deus é por mim” [Sl 56.9]. Igualmente: “Pela manhã ouvirás minha voz, ó Senhor; pela manhã apresentarei a ti minha oração, e vigiarei” [Sl 5.3]. Destas palavras concluímos que as orações são inutilmente lançadas ao ar, a menos que a esperança as acompanhe; e assim, como se estivéssemos em um posto de vigia, aguardamos a Deus com espírito sereno. Está de acordo com isto a seqüência da exortação paulina, pois antes de insistir com os fiéis a que orem a todo tempo no Espírito, com vigilância e constância, lhes ordena, antes de tudo, a que tomem o escudo da fé, o capacete da salvação e a espada do Espírito, que é a Palavra de Deus [Ef 6.16-18]. Aqui, pois, os leitores rememorem o que eu disse previamente, a saber: a fé de modo algumé maculada, quando está associada com o reconhecimento da miséria, da pobreza, de nossa sordidez. Ora, por mais que os fiéis se sintam oprimidos por pesada massa de delitos, ou nela labutarem, não só vazios de todas as coisas que podem granjear favor junto a Deus, mas até sobrecarregados de muitas culpas que, com razão, o tornam temível, contudo, não cessam de apresentar-se diante dele; tampouco este sentimento os aterra a que recorram a ele, quando outro não lhe é o acesso. Pois a oração não foi ordenada para que nos exaltemos arrogantemente diante de Deus, ou estimemos demasiadamente algo que seja nosso; ao contrário, para que, havendo confessado nossa culpa, deploremos junto a Deus nossas misérias, como os filhos apresentam, com toda espontaneidade, suas lamúrias diante dos pais; senão que, antes, o acervo imenso de nossas maldades deve estar repleto de acicates ou aguilhadas que nos incitem a orar, como tambem, com seu exemplo, o Profeta nos ensina: “Sara minha alma, pois que tenho pecado contra ti” [Sl 41.4]. Certamente reconheço que haveria nestes aguilhões pontadas mortíferas, caso Deus não nos socorresse. Mas, mercê de sua incomparável indulgência, o Pai boníssimo proveu oportuno remédio, pelo qual, acalmando toda perturbação, aliviando os cuidados, dissipando os temores, a si afavelmente nos atrai; mais ainda, removendo todos os pedregulhos, quanto mais as barreiras, caminho fácil nos aplana.

João Calvino