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quinta-feira, 20 de setembro de 2018

NEM SE REVESTEM DE MÉRITO JUDICIAL, DIANTE DE DEUS, AS PRÓPRIAS TRIBULAÇÕES E SOFRIMENTOS PELOS QUAIS ELE NOS FAZ DIGNOS DE SEU REINO

Entretanto, as palavras do Apóstolo nos insistem ainda mais, que, enquanto aos tessalonicenses consolam em suas tribulações, ensinam que lhes foram enviadas “para que sejais tidos por dignos do reino de Deus, pelo qual estais sofrendo” [2Ts 1.5]. Diz ainda: “Se de fato é justo diante de Deus recompensar com aflição aos que vos afligem, porém a vós, descanso conosco quando do céu se haverá de revelar o Senhor Jesus” [2Ts 1.6, 7]. E o autor da Epístola aos Hebreus: “Deus”, diz ele, “não é injusto para que se esqueça de vossa obra e do amor que em seu nome haveis mostrado, visto que haveis ministrado aos santos” [Hb 6.10]. À primeira passagem respondo: Nenhuma dignidade de mérito aí se entende, mas porque Deus, o Pai, quer que nós, a quem escolheu por filhos, sejamos conformados a Cristo, o Primogênito [Rm 8.29], como se fez necessário que ele primeiro sofresse, e então por fim entrasse na glória a si destinada [Lc 24.26], assim também nós, através de muitas tribulações, nos importa entrar no reino dos céus [At 14.22]. Portanto, enquanto sofremos tribulações pelo nome de Cristo, como que certas marcas nos são impressas com as quais Deus costuma assinalar as ovelhas de sua grei. Daí, somos tidos por dignos do reino de Deus por esta razão: que “levamos no corpo os estigmas de nosso Senhor e Mestre” [Gl 6.17], que são os sinais dos filhos de Deus. Aqui pertencem também estas declarações: levamos em derredor a mortificação de Jesus Cristo em nosso corpo, para que em nós sua vida nos seja manifesta [2Co 4.10]; somos conformados a seus sofrimentos, para que cheguemos plenamente à semelhança da ressurreição dos mortos [Fp 3.10, 11]. A razão que é anexa por Paulo visa, não a provar qualquer dignidade nas obras, mas a firmar a esperança do reino de Deus; como se estivesse a dizer: “Como convém ao justo juízo de Deus extrair de vossos inimigos vingança dessas tribulações que vos têm infligido, assim igualmente convém que ele vos confira alívio e descanso das tribulações. A outra passagem[Hb 6.10], na qual se ensina que convém à justiça de Deus não relegar ao olvido os atos de obediência dos seus, de tal maneira que quase dá a entender que seria injusto que os olvidasse, deve entender-se neste sentido: para que espicaçasse nossa indolência, Deus nos outorgoua confiança de que não haverá de ser vão o labor que tenhamos empreendido para a glória de seu nome. Lembremo-nos sempre de que esta promessa, como todas as demais, não nos produziria nenhum fruto, a não ser que o gracioso pacto de misericórdia a precedesse, do qual dependeria toda certeza de nossa salvação. Mas, apoiados nisto, devemos confiar seguramente que também a nossos atos de obediência, por mais indignos, não haverá de faltar o prêmio da parte da liberalidade de Deus. Para que nesta expectação o Apóstolo nos fizesse firmes, assevera que Deus não é injusto de sorte que não haja de manter-se fiel à solene promessa feita uma vez por todas. Portanto, esta justiça se refere mais à verdade da promessa divina do que à eqüidade de pagar o que é devido. Nesse sentido, é notável o dito de Agostinho, o qual, uma vez que o santo varão não hesitou em repetir, freqüentemente, como digno de lembrança, assim não julgo indigno de que constantemente o evoquemos à lembrança. “Fiel”, diz ele, “é o Senhor que se nos fez devedor, não por receber algo de nós, ao contrário, por prometer-nos tudo.”


João Calvino