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sábado, 22 de setembro de 2018

SEGUROS DE QUE DEUS, EM VIRTUDE DE SUAS PROMESSAS, NÃO DEIXARÁ DE OUVIR NOSSAS ORAÇÕES, DEVEMOS ORAR COM REVERÊNCIA E TEMOR, CONTUDO, COM TOTAL CONFIANÇA

E causa admiração que a doçura de tantas promessas já não nos comove, senão friamente, ou absolutamente nada, de sorte que boa parte dos homens prefere, vagando por vias tortuosas, abandonando a fonte das águas vivas, cavar para si cisternas secas [Jr 2.13] a abraçar a liberalidade de Deus a si oferecida dadivosamente. “Cidadela inexpugnável”, diz Salomão, “é o nome do Senhor; a ela o justo se acolherá, e estará a salvo” [Pv 18.10]. Joel, porém, depois que profetizou acerca da horrível ruína que estava iminente, adiciona esta memorável sentença: “Todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo” [Jl 2.32; Rm 10.13]; bem sabemos que isso visa propriamente ao curso do evangelho [At 2.21]. Dificilmente um em cem é movido a dar um passo adiante ao encontro de Deus. Ele mesmo proclama através de Isaías: “Invocar-me-eis, e eu vos ouvirei; sim, antes que clameis, eu vos responderei” [Is 65.24]. Em outro lugar, digna também desta mesma honra a toda a Igreja em comum, uma vez que ela se estende a todos os membros de Cristo: “Ele me invocará, e eu lhe responderei; estarei com ele na angústia; dela o retirarei, e o glorificarei” [Sl 91.15]. Entretanto, como já disse, meu propósito não é enumerar todas as passagens, mas escolher as mais relevantes, das quais apreciemos quão amavelmente Deus nos convida a si e de quão apertados grilhões nos tem cingido a ingratidão, quando, entre acicates tão agudos, ainda delonga nossa indolência. Portanto, que estas palavras nos ressoem sempre aos ouvidos: “O Senhor está perto de todos os que o invocam, dos que o invocam em verdade” [Sl 145.18]. De igual modo, as passagens que temos citado de Isaías e Joel, nas quais Deus afirma que está atento a ouvir-nos as orações, e por isso se deleita como com um sacrifício de aroma agradável, quando sobre ele lançamos nossos cuidados [Sl 55.22; 1Pe 5.7]. Recebemos este fruto singular das promessas de Deus quando formulamos nossas orações não de forma dúbia e vacilante, mas, antes, firmados na Palavra daquele cuja majestade de outra sorte nos aterraria, ousamos invocá-lo como nosso Pai, porquanto se digna sugerirnos este nome dulcíssimo. Resta que, atraídos por tais advertências, nos deixemos persuadir de que temos motivos de sobra para sermos ouvidos, uma vez que nossas orações não se firmam em nenhum mérito; pelo contrário, toda a dignidade e esperança de obter resposta estão fundadas nas promessas de Deus e delas dependem, de sorte que nem mesmo é necessário outro sustentáculo, nem é preciso que andemos olhando ao redor e de um lado para outro. E assim se faz necessário que fixemos na mente isto: ainda que não sobressaiamos em santidade igual à que é louvada nos santos patriarcas, profetas e apóstolos, no entanto, uma vez ser comum a eles e a nós o preceito de orar e comum ser a fé, se na Palavra de Deus nos firmamos, então somos associados a eles neste direito. Porque, como já dissemos, ao declarar que haverá de ser favorável e propicio a todos, Deus dá uma certa esperança, mesmo aos mais miseráveis do mundo, de que obterão o que tiverem pedido; por isso se devem notar as fórmulas gerais pelas quais ninguém é excluído, como dizem popularmente, desde o primeiro até o último, contanto que se faça presente a sinceridade de coração, insatisfação conosco mesmos, humildade e fé, para que nossa hipocrisia não profane o nome de Deus com invocação enganosa. O Pai boníssimo não rejeitará aqueles a quem não só exorta a virem a ele, mas também os atrai de todas as formas possíveis. Daqui essa forma que Davi tinha de orar, que há pouco mencionei: “Pois tu, Senhor dos Exércitos, Deus de Israel, revelaste aos ouvidos de teu servo, dizendo: Edificar-te-ei uma casa. Portanto, teu servo se animou para fazer-te esta oração. Agora, pois, Senhor Deus, tu és o mesmo Deus, e tuas palavras são verdade, e tens falado a teu servo este bem. Sê, pois, agora servido de abençoar a casa de teu servo, para permanecer para sempre diante de ti, pois tu, ó Senhor Deus, o disseste; e com tua bênção será para sempre bendita a casa de teu servo” [2Sm 7.27-29]. Assim também em outro lugar: “Assiste a teu servo segundo tua palavra” [Sl 119.76]. E todos os israelitas, igualmente, sempre que se fortificam da lembrança do pacto, declaram suficientemente que não se deve orar a medo, quando Deus assim prescreve, e nisto imitaram os exemplos dos patriarcas, especialmente de Jacó que, depois de confessar estar muito abaixo de tantas misericórdias recebidas da mão de Deus [Gn 32.10], no entanto, diz estar animado a pedir coisas maiores, porque Deus prometera haver de fazer [Gn 32.12]. Contudo, quaisquer pretextos a que os incrédulos recorram, quando não recorrem a Deus sempre a necessidade os impele, não o buscando, nem lhe implorando a ajuda, não de outro modo o defraudam da legítima honra como se fabricassem para si novos deuses e ídolos, uma vez que, desta maneira, negam ser Deus o autor de todas suas boas coisas. Por outro lado, não há coisa mais eficaz para livrar os fiéis de todo escrúpulo do que animar-se do senso de que ao orar obedecem o preceito de Deus, o qual afirma que não há coisa que mais o satisfaça do que a obediência; portanto, não existir nada que nos detenha. Daqui mais claramente refulge uma vez mais o que eu disse antes: com temor, reverência e solicitude os espírito intrépido de oração se enquadrar muito bem, nem tampouco é absurdo que Deus levante os que se acham prostrados. Dessa maneira, concordam admiravelmente as diversas formas de expressão que na aparência se mostram contraditórias. Jeremias e Daniel dizem que apresentam suas súplicas diante de Deus [Jr 42.9; Dn 9.18]. Em outro lugar, Jeremias: “Aceita agora nossa súplica diante de ti, e roga ao Senhor teu Deus, por nós e por todo este remanescente” [Jr 42.2]. Por outro lado, dizem com freqüência, que os fiéis elevam suas orações. Assim fala Ezequias, rogando ao Profeta que interceda em seu lugar [2Rs 19.4]. E Davi deseja que sua oração se eleve como incenso [Sl 141.2]. Isto é, embora, persuadidos do amor paterno de Deus, alegremente lhe confiem sua guarda, não hesitam em implorar a assistência que graciosamente promete, contudo, não os embala genuína segurança, como se já dominados por um semblante animoso, senão que de tal maneira vão subindo de degrau em degrau das promessas, que sempre permanecem abatidos em sua prostração.

João Calvino