Estas três petições, nas quais encomendamos a Deus especificamente a nós mesmos
e a todas as nossas coisas, mostram claramente o que dissemos antes: as orações
dos cristãos devem ser associativase ter em mira a edificação comum da Igreja
e o avanço da comunhão dos fiéis. Ora, cada um não roga que algo seja dado particularmente
a si; aliás, todos comumente pedimos o pão nosso, a remissão dos pecados,
que não sejamos induzidos à tentação, que sejamos livrados da Maligno.
Em seguida adiciona-se a causa por que tão grande é não só nossa ousadia de
pedir, mas também a confiança de obter, causa que, embora não ocorra nos exemplares
latinos, no entanto aqui parece tão mais apropriado inserir do que omitir,
isto é, que “dele é o reino, e o poder, e a glória para sempre”. Este é um remanso
firme e tranqüilo à nossa fé, pois se nossas orações fossem recomendadas a Deus
com base em nossa própria dignidade, quem diante dele ousaria sequer balbuciar?
Ora, por mais miseráveis que sejamos, por mais que de todos fôssemos os mais
indignos, embora vazios de toda honra, entretanto nunca nos faltará causa de orar,
nunca cessará a confiança, quando não se pode subtrair de nosso Pai quer seu reino,
seu poder ou sua glória.
No final da Oração do Senhor adiciona-se o Amém, termo com que se exprime
o ardor do desejo de obter as coisas que foram pedidas a Deus, e se nos firma a
esperança de que todas as coisas dessa natureza já foram alcançadas, e com certeza
haverão de nos ser concedidas, uma vez que foram prometidas por Deus, o qual não
pode enganar. E isso se coaduna com aquela fórmula que mencionamos previamente:
“Faz isto, ó Senhor, por amor de teu nome, não em consideração a nós ou a nossa
justiça [Dn 9.18, 19]; pela qual os santos não só exprimem o propósito de suas
súplicas, mas também confessam ser indignos de alcançá-las, a não ser que Deus
busque a causa em si mesmo, e unicamente na natureza de Deus lhes proceda a
confiança de obter o que pedem.
João Calvino