Seja esta, pois, a primeira lei de correta e apropriadamente a regular a oração:
que estejamos preparados com tal disposição de mente e coração, como convém
àqueles que entram em conversação com Deus. Com efeito, isso conseguiremos
quanto à mente, se desembaraçada de cuidados e cogitações carnais, pelos quais ela
possa ser afastada ou detraída da reta e pura contemplação de Deus, não apenas se
devote toda à oração, mas também, até onde puder agir assim, seja elevada e projetada
acima de si própria. De fato, tampouco exijo que a mente seja de tal sorte
desvencilhada que não seja espicaçada e mordida por nenhuma inquietude, quando,
ao contrário, com muita ansiedade convenha que em nós se acenda o fervor de orar,
assim como vemos os santos servos de Deus testificarem de ingentes tormentos, não
apenas inquietudes, quando dizem que elevaram sua lastimosa voz ao Senhor, do
abismo profundo [Sl 130.1] e de entre as fauces da morte. Reitero, porém, que têm
de ser afastados todos os cuidados alheios e estranhos pelos quais a mente vacilante
é levada em volta, para cá e para lá e, afastada do céu, é arremetida para a terra. Mas
entendo que lhe importa elevar-se acima de si própria, para que não traga à presença
de Deus algo dessas coisas que nossa cega e tacanha razão costuma imaginar, nem
se atenha constrita dentro da medida de sua vaidade; senão que há de elevar-se
digna de Deus tal como ele a quer.
João Calvino