Ainda não teremos atingido a meta, a menos que discutamos também o outro
paralogismo: se de fato Tiago põe uma parte da justificação nas obras. Caso queiras
que Tiago concorde não apenas com as demais Escriturãs, mas também consigo
próprio, é necessário que tomes o termo justificar em outra acepção além da acepção
de Paulo. Porquanto Paulo diz que somos justificados quando, obliterada a
lembrança de nossa justiça pessoal, somos reputados por justos. Se Tiago tivesse
olhado nessa direção, ele teria citado diversamente esta afirmação da parte de Moisés:
“Abraão creu em Deus” etc. [Tg 2.23; Gn 15.6]; pois assim arrazoa: Abraão
alcançou a justiça pelas obras, porque, ante a ordem de Deus, não hesitou em imolar
o filho [Tg 2.21], e assim se cumpriu a Escritura que diz: “e Abraão creu em Deus e
isso lhe foi imputado como justiça” [Tg 2.23]. Se é absurdo que o efeito seja anterior
à sua causa, ou Moisés, nessa passagem, testifica falsamenteque a fé foi imputada
a Abraão para justiça, ou dessa obediência que exibiu em oferecendo a Isaque ele
não mereceu a justiça. Antes que Ismael fosse concebido, que já era adolescente
quando Isaque nasceu, Abraão fora justificado por sua fé. Como, pois, diremos que
ele granjeara para si a justiça em virtude de uma obediência, quando esta veio depois?
Daí, ou Tiago inverteu incorretamente a ordem, o que não é justo pensar, ou
não quis dizer que ele foi justificado, como se merecesse ser considerado justo. E
então? Por certo, é evidente que ele está falando de declaração de justiça, contudo,
não de sua imputação, como se quisesse dizer: Aqueles que são justos mercê de
verdadeira fé, esses provam sua justiça através da obediência e das boas obras, não
mediante um espectro desnudo e imaginário de fé.
Em suma, Tiago não está discutindo de que maneira são justificados, mas está
exigindo dos fiéis uma justiça que produza obras. E como Paulo declara que somos
justificados sem o concurso das obras, assim aqui Tiago não admite que sejam tidos
por justos os que não produzem boas obras. A análise deste escopo nos desvencilhará
de toda dificuldade, porque nossos adversários se enganam, sobretudo, ao crerem
que Tiago determina o modo como os homens são justificados, quando outra coisa
não busca senão demolir a fútil segurança daqueles que, para escusar a negligência
das boas obras, se gloriam falsamente no título de fé. Portanto, de todos modos que
torçam as palavras de Tiago, nada expressarão senão duas proposições: que um
inútil simulacro de fé não justifica, e que o fiel, não contente com tal mistificação,
declara sua justiça com boas obras.
João Calvino
Escola Bíblica Conhecedores da verdade - O objetivo deste blog e levar você a conhecer a verdade que liberta de todo o Engano. Nesses últimos tempos, muito se tem ouvido falar do evangelho de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, porém de maneira distorcida e muitas vezes pervertida, com heresias disfarçada etc. “ ...e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.” João 8.32