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quarta-feira, 19 de setembro de 2018

A DOUTRINA DO PERDÃO GRATUITO DOS PECADOS, EM VIRTUDE DO SACRIFÍCIO DE CRISTO, LONGE DE INCITAR AO PECADO, É FONTE DE BOAS OBRAS

Aliás, calúnia mui frívola é a de que os homens são incitados a pecar, quando afirmamos que a remissão dos pecados é gratuita, quando declaramos que nela se funda toda nossa justiça. Pois afirmamos que essa remissão é de tão grande preço, que não se pode pagar por nenhum bem que seja nosso, e por isso nunca se poderia obter, a não ser que seja gratuita. Com efeito, ela de fato nos é gratuita, não que seja igualmente a Cristo, a quem na verdade custou tão supremamente seu sacratíssimo sangue, fora do qual nenhum preço foi bastante digno para que se pagasse ao juízo de Deus. Quando estas coisas são ensinadas aos homens, são advertidos de que por si mesmos não se põem em condições tais que esse sacratíssimo sangue é derramado tantas vezes quantas são as que pecam. Além disso, lhes mostramos que nossa imundície é tal que jamais é lavada, a menos que o seja na fonte desse sangue puríssimo. Aqueles que porventura ouvem essas coisas não devem conceber maior horror do pecado do que se lhes dissesse que são purificados pela aspersão das boas obras? E se algo possuem de Deus, como se não apavorem de, uma vez purificados, novamente se revolvam no lodo, de sorte que, quanto neles está conturbam e infectam a pureza dessa fonte? “Lavei meus pés”, diz a alma fiel, em Salomão, “como os sujaria de novo?” [Ct 5.3]. Agora se faz evidente qual dos dois não só desvalorize mais a remissão dos pecados, mas também mais prostitui a dignidade da justiça. Eles vociferam enganosamente dizendo que Deus é aplacado por suas frívolas satisfações, isto é, por suas escórias[Fp 3.8]; nós afirmamos que a culpa do pecado é grave demais para que seja expiada por tão leves ninharias; que a ofensa de Deus é grave demais para que seja remitida com essas satisfações sem valia, uma vez que esta é prerrogativa unicamente do sangue de Cristo. Eles dizem que a justiça, se porventura falhe, é restaurada e reparadapor obras satisfatórias; nós cremos que ela é valiosa demais para que possa ser nivelada a qualquer compensação de obras; daí, para que seja recobrada, há de buscar-se refúgio unicamente na misericórdia de Deus. As coisas restantes que são pertinentes à remissão dos pecados serão apresentada no próximo capítulo.

João Calvino