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quinta-feira, 20 de setembro de 2018

MERCÊ DO PERDÃO AUFERIDO NA JUSTIFICAÇÃO PELA FÉ, EM FUNÇÃO DE NOSSA PARTICIPAÇÃO DE CRISTO, AS OBRAS SE REVESTEM NÃO SÓ DE CERTA JUSTIÇA, MAS INCLUSIVE SÃO TIDAS POR PERFEITAS E COMPLETAS

Por esta razão, concederemos não somente uma justiça parcial nas obras, que nossos próprios adversários querem, mas também que ela é igualmente aprovada por Deus como se fosse perfeita e absoluta. Mas, se nos lembrarmos em que fundamento ela se calque, toda dificuldade terá sido resolvida. Pois uma obra começa então, finalmente, a ser aceitável a Deus quando é encetada em conjunção com seu perdão. Mas, donde esse perdão, senão porque Deus nos contempla a nós e a todas nossas coisas em Cristo? Portanto, como nós mesmos, quando somos enxertados em Cristo, assim parecemos justos diante de Deus, porque nossas iniqüidades são cobertas de sua inocência, assim nossas obras são e têm sido consideradas justas, porque tudo quanto de imperfeição de outra sorte nelas há, foi sepultado na pureza de Cristo, já não nos é imputada. E assim podemos com razão dizer que somos, pessoalmente, justificados pela fé, mas também nossas obras. Ora, se esta justiça das obras, seja qual for sua natureza, depende da fé e da justificação graciosa e é por ela efetuada, deve ser incluída debaixo dela e ser-lhe subordinada, por assim dizer, como o efeito a sua causa, tão longe está de ser alçada para ou destruí-la ou empaná-la. Assim Paulo, para forçar a conclusão de que nossa bem-aventurança repousa na misericórdia de Deus, não nas obras, enfatiza com especial empenho isto de Davi: “Felizes aqueles cujas iniqüidades foram perdoadas e cujos pecados foram cobertos. Feliz aquele a quem o Senhor não imputou pecado” [Sl 32.1, 2; Rm 4.7, 8]. Se alguém apresenta em contrário inumeráveis passagens nas quais a bem-aventurança parece ser atribuída às obras, como estas: “Bem-aventurado o varão que teme ao Senhor” [Sl 112.1]; “que se compadece dos pobres” [Pv 14.21]; “que não anda no conselho dos ímpios” [Sl 1.1]; “que suporta a tentação” [Tg 1.12]; “bem-aventurados os que guardam o juízo” [Sl 106.3]; “os destituídos de mancha” [Sl 119.1]; “os pobres em espírito, os mansos e os misericordiosos” etc. [Mt 5.3, 5, 7], nada mais fazem senão confirmar como verdadeiro o que Paulo diz. Pois, uma vez que todas essas coisas que são proclamadas nessas passagens jamais existem no homem de forma que, por isso, o mesmo seja aprovado por Deus, conclui-se que o homem é sempre miserável, a não ser que seja libertado da miséria em função do perdão dos pecados. Portanto, visto que todos os gêneros de bem-aventurança que são louvados nas Escrituras se tornassem sem préstimo, de sorte que o homem não visse nenhum  fruto até que, pela remissão dos pecados, alcançasse a bem-aventurança que a seguir lhes dê lugar, segue-se que esta bem-aventurança é não apenas suprema e primordial, mas ainda única, a menos que, talvez, queiras que ela seja destituída dessas bênçãos que somente nela se fundamentam. Muito menos deve inquietar-nos e causar-nos escrúpulo que os fiéis sejam, com freqüência, chamados justos na Escritura.242 Certamente, confesso que eles são justos em virtude de sua santidade de vida. Quando, porém, inclinam-se mais ao zelo da justiça do que a própria justiça pratiquem, é justo que esta justiça, qualquer que seja, ceda à justificação pela fé, da qual ela tem o que é.

João Calvino