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segunda-feira, 24 de setembro de 2018

IMPROCEDÊNCIA DO ARGUMENTO DE QUE A INVOCAÇÃO DOS PATRIARCAS, NO ANTIGO TESTAMENTO, É EXEMPLO REAL DA INVOCAÇÃO DOS SANTOS

Não obstante, torcem mui perversamente outros testemunhos da Escritura que adotam para defender esta sua falsidade. Ora, pois, dizem eles, Jacó roga que seu nome e o de seus pais, Abraão e Isaque, sejam invocados sobre sua posteridade [Gn 48.16]. Vejamos, primeiramente, de que natureza é esta forma de invocação entre os israelitas. Com efeito, não imploram a seus pais que lhes tragam ajuda; ao contrário, instam com Deus a que se lembrem de seus servos, Abraão, Isaque e Jacó. Portanto, seu exemplo em nada respalda àqueles que costumam dirigir a palavra aos próprios santos. Na verdade, visto que esses broncos, no embotamento em que se encontram, não apreendem nem o que significa invocar o nome de Jacó, nem por que ele deva ser invocado; não é de admirar se também na própria forma titubeiam de maneira tão pueril. Esta frase ocorre nas Escrituras não uma só vez. Ora, Isaías [4.1] diz o nome dos homens é invocado pelas mulheres, enquanto os têm na condição de maridos, sob cuja proteção e guarda vivam. Portanto, a invocação do nome de Abraão sobre os israelitas se situa nisto: enquanto atribuem a ele a origem de sua raça e o honram por ilustre memória como seu genitor e pai. Aliás, tampouco Jacó faz isto porque esteja solícito quanto a propagar a celebridade de seu nome, mas porque sabia que toda a bem-aventurança dos pósteros consistia na herança do pacto que Deus estabelecera consigo e, porque vê que lhes será o sumo de todos os bens, roga que sejam contados em sua estirpe; pois isto outra coisa não é senão lhes transmitir a sucessão do pacto. Eles, por sua vez, enquanto em suas orações induzem lembrança desta natureza, não se acolhem às intercessões dos mortos; pelo contrário, lançam diante do Senhor a memória de seu pacto, no qual o Pai clementíssimo promete haver de lhes ser propício e benévolo em consideração a Abraão, Isaque e Jacó. Por outro lado, quão pouco os santos se reclinam nos méritos dos Pais, comprova-o a voz pública da Igreja no Profeta: “Tu és nosso Pai, e Abraão nos desconheceu, e Israel nos ignorou. Tu, ó Senhor, és nosso Pai e nosso Redentor” [Is 63.16]. E enquanto de fato assim falam, ao mesmo tempo adicionam: “Volve-te, Senhor, por amor de teus servos” [Is 63.17]; contudo, não cogitam nenhuma intercessão, mas volvem o ânimo para o benefício do pacto. Ora, pois, quando temos o Senhor Jesus, em cuja mão o eterno pacto de misericórdia nos foi não apenas concluído, mas também confirmado, o nome de quem anteponhamos, de preferência, em nossas orações? E, uma vez que estes bons mestres querem, com estas palavras, que os patriarcas sejam constituídos intercessores, desejaria saber deles por que, em tão grande multidão, Abraão, o pai da Igreja, não granjeia de fato entre eles sequer o mínimo lugar? E sabe-se sobejamente bem de que refugo tomam para si seus advogados. Respondam-me se é consistente que Abraão, a quem Deus antepôs a todos os outros, e a quem elevou ao sumo grau de honra, seja negligenciado e suprimido. Sem dúvida, como fosse evidente que tal uso fora desconhecido à Igreja antiga, aprouve, no afã de esconder a novidade, silenciar quanto aos patriarcas primitivos, como se a diferença de nomes escusasse o costume recente e bastardo. Mas, o que alguns objetam de suplicar-se a Deus a que, “por amor de Davi” [Sl 132.10], tenha misericórdia do povo, de tal modo isso não lhes respalda ao erro, que o mesmo Salmo é plenamente eficaz para refutá-lo. Ora, se considerarmos o lugar que ocupou a pessoa de Davi, veremos que neste lugar ele é separado da companhia de todos os santos, para que Deus confirmasse e ratificasse o pacto que com ele estabelecera. Assim, não só se tem mais consideração pelo pacto do que pelo homem, como também a intercessão singular de Cristo é figurativamente expressa. Ora, o que foi peculiar a Davi, até onde ele era tipo de Cristo, certo é que não pode competir com outros.

João Calvino