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quinta-feira, 27 de setembro de 2018

TERCEIRA PETIÇÃO: “SEJA FEITA TUA VONTADE, ASSIM NA TERRA COMO NO CÉU”

A terceira petição é que “a vontade de Deus seja feita na terra como é feita no céu” [Mt 6.10]. Isto, ainda que dependa de seu reino, nem dele se pode dissociar, contudo, não é em vão que se adiciona separadamente, em razão de nossa obtusidade, que não se apreende fácil e prontamente o que seja Deus reinar no mundo. Portanto, não será absurdo tomar isto explicativamente: então Deus haverá de ser Rei no mundo, quando todos se sujeitarem a sua vontade. Com efeito, aqui não se trata de sua vontade secreta, pela qual a tudo regula e destina a seu fim. Pois ainda que Satanás e os homens sejam tumultuosamente impelidos contra ele, em seu incompreensível conselho, no entanto, sabe não só aparar-lhes os ataques, como também de tal modo os dispões que, por meio deles, faça o que precisamente decretou. Mas aqui se denota a outra vontade de Deus, isto é, aquela a que corresponde a obediência voluntária, e por isso o céu é expressamente comparado à terra, porque os anjos, como se diz no Salmo, obedecem espontaneamente a Deus e se dispõem a cumprir-lhe as ordens[Sl 103.20]. Portanto, se nos ordena que anelemos que, assim como no céu nada se faz sem ser pelo arbítrio de Deus, e placidamente os anjos estão munidos de toda retidão, assim também, aniquilada toda contumácia e impiedade, a terra esteja sujeita ao governo desta ordem. Certamente, ao pedir isto renunciamos aos apetites e desejos de nossa carne; porquanto, a não ser que alguém resigne e submeta seus sentimentos a sua vontade,quanto em si está, se opõe, uma vez que de nós nada procede senão o que é vicioso. E de novo, com esta prece, somos induzidos à negação de nós mesmos, para que Deus nos reja conforme seu arbítrio. Não só isto, mas também que, nossa mente e coração reduzidos a nada, Deus crie em nós mente nova e coração novo, para que não sintamos em nós qualquer frêmito de desejo senão a pura anuência à sua vontade. Em suma, que nós mesmos não queiramos algo propriamente nosso; ao contrário disso, que seu Espírito nos governe o coração para que, nos ensinando ele interiormente, aprendamos a amar as coisas que lhe são deleitáveis; contudo, odiando as que lhe desagradam. Do quê também procede isto: que todos e quantos sentimentos se opõe mà sua vontade, a esses torne-os vãos e sem efeito. Eis, pois, os primeiros três tópicos da Oração do Senhor, em pronunciando os quais só a glória de Deus convêm ter diante dos olhos, pondo de parte a consideração por nós mesmos, nem contemplado qualquer proveito nosso, o qual, embora nos provenha daí amplamente, contudo, aqui não deve ser buscado por nós. Mas, todas estas coisas, embora não as cogitando, nem as desejando, nem as pedindo, não obstante hajam de ocorrer a seu tempo, no entanto devem ser por nós desejadas e suplicadas. E fazer isto não é de forma alguma pouco, como por esse meio nos atestemos e professemos ser servos e filhos de Deus, quanto em nós está, nos esforçando e verdadeira e profundamente nos devotando à sua honra, o que se deve ao Senhor e Pai. Daí, aqueles que não oram com esse sentimento e empenho de promover a glória de Deus, que o nome de Deus seja santificado, que seu reino venha, que sua vontade seja feita, esses nem mesmo devem ser tidos entre os filhos e servos de Deus; e como todas essas coisas lhes acontecerão a contragosto seu, assim redundarão em confusão e ruína.


João Calvino