Mas, ainda que já dissemos previamente que, elevado o coração a Deus, é preciso
suspirar sempre e orar sem intermissão, visto que, no entanto, tamanha é nossa
fraqueza que tenha necessidade de ser sustentada por muitos esforços; que tamanha
é nossa inércia, que tenha necessidade de ser excitada de aguilhões; que convém
que a cada um de nós sejam fixadas horas especiais para esse empreendimento,
horas que não transcorram sem oração e que tenham nisto inteiramente ocupadas
todas as disposições da alma, a saber: quando de manhã nos levantamos, antes que
nos atiremos ao labor diário, quando nos assentamos à refeição, quando pela bênção
de Deus fomos nutridos, quando nos recolhemos ao repouso. Contanto que esta
observância de horas não seja supersticiosa, nas quais, como se quitando nossa
obrigação a Deus, tudo fosse como se nos desobrigássemos em relação às demais
horas; mas, ao contrário, constitui a disciplina de nossa fraqueza, pela qual deve ser
assim exercitada e continuamente estimulada.
Deve-se revestir de especial solicitude sempre que nos virmos premidos por
alguma angústia particular, ou vermos outros serem premidos, então recorrendo a
ele imediatamente, não ligeiros de pés, mas de ânimo. Então, quanto possível, não
deixemos passar indiferente, seja nossa prosperidade, seja a de outros, sem que
atestemos e reconheçamos aí sua mão, com louvor e ação de graças. Por fim, deve se
observar em toda oração que não queremos obrigar Deus a certas circunstâncias,
nem prescrever-lhe em que tempo, em que lugar, por qual forma haverá ele de fazer
alguma coisa, assim como nesta oração somos ensinados a não fixar-lhe nenhuma
lei, ou impor-lhe nenhuma condição; pelo contrário, devemos deixar a seu arbítrio
que faça o que haverá de fazer em qual forma, em qual tempo, em qual lugar lhe
parecer bem. Em vista disso, antes de formularmos a nosso favor qualquer oração,
proferimos de antemão que seja feita sua vontade [Mt 6.10], onde já sujeitamos à
sua vontade a nossa, para que, exatamente como se fosse contida por um freio, não
presuma compelir a Deus à sua ordem; ao contrário disso, que o constitua árbitro e
moderador de todos seus votos.
João Calvino