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sexta-feira, 21 de setembro de 2018

O USO DEVIDO DA LIBERDADE CRISTÃ VISANDO SEMPRE À EDIFICAÇÃO DO PRÓXIMO EM AMOR

No entanto, a questão ainda pende incerta, a não ser que entendamos a quem devemos ter por fracos e a quem por fariseus; sem remover tal distinção, não vejo como se possa usar nossa liberdade quando se trata de escândalos, já que o uso nunca será sem muito risco. Mas, para mim, Paulo parece ter definido com muita clareza, assim em sua doutrina e em seu exemplo, até onde nossa liberdade deva ser moderada, ou deva ser redimida mesmo com o risco de escandalizar. Quando tomou a Timóteo por companheiro, o circuncidou [At 16.3]; contudo, não pôde ser induzido a circuncidar Tito [Gl 2.3]. Seu procedimento foi diverso. Nenhuma mudança de propósito nem da maneira de pensar. Porque, na circuncisão de Timóteo, embora fosse “livre de todos, de todos ser fez servo; e para com os judeus procedeu como judeu, para que pudesse ganhar os judeus; para com os que estavam sob a lei como se estivesse debaixo da lei, para que pudesse ganhar os que estavam debaixo da lei; fez tudo em prol de todos, para que pudesse salvar a muitos”, como escreve em outro lugar [1Co 9.19, 20, 22]. Aqui está a justa moderação da liberdade: quando indiferentemente podemos abster-nos com algum proveito. Qual foi a intenção de Paulo quando se absteve resolutamente de circuncidar Tito, ele mesmo o atesta, escrevendo nestes termos: “Mas, nem Tito, que estava comigo, como fosse grego, foi compelido a circuncidar-se, por causa de falsos irmãos introduzidos furtivamente, que se infiltraram para espiar nossa liberdade que temos em Cristo Jesus, para que nos obrigassem à servidão, aos quais nem por um momento de fato cedemos em sujeição, a fim de que a verdade do evangelho permanecesse entre vós” [Gl 2.3-5]. Temos assim necessidade de defender a liberdade, se, mercê de iníquas exigências de falsos apóstolos, ela periclita nas consciências fracas. Por toda parte se faz necessário aplicar-nos ao amor e atentar-nos para a edificação do próximo. “Todas as coisas”, diz Paulo em outro lugar, “me são licitas, mas nem todas convém; todas as coisas me são lícitas, mas nem todas edificam. Ninguém busque o que é seu, mas o que é de outrem” [1Co 10.23, 24]. Nada há mais incontroversível do que esta regra: é indispensável que usemos de nossa liberdade, se isso conduz à edificação de nosso próximo; se no entanto isso assim não convém ao próximo, então é preciso abster-se da mesma. Há os que simulam prudência paulina na contenção da própria liberdade, contudo, outra coisa não fazem senão aplicá-la aos deveres da caridade. Ora, para que adquiram sua própria tranqüilidade, desejam que seja sepultada toda e qualquer menção de liberdade, quando não menos às vezes é do interesse do próximo usar a liberdade para seu bem e edificação, do que em seu próprio benefício ser ela contida no ensejo. Mas é necessário que o homem piedoso tenha em mente que, já que lhe foi concedido livre domínio nas coisas externas, esteja pronto para todos os deveres da caridade.

João Calvino