Total de visualizações de página

quinta-feira, 20 de setembro de 2018

TAMPOUCO OUTRAS PASSAGENS BÍBLICAS EM QUE TANTO SE INSISTE NA RETIDÃO DE VIDA DIANTE DE DEUS ENDOSSAM O MÉRITO JUSTIFICATIVO

Há também outras passagens não discordantes às acima referidas em que alguém ainda pode fazer finca-pé. Diz Salomão que “aquele que anda em sua integridade é justo” [Pv 20.7]. De igual modo: “Na trilha da justiça está a vida, e nela, com efeito, não está a morte” [Pv 12.28]. Por essa razão, Ezequiel vaticina que “aquele que praticar juízo e justiça haverá, de fato, de viver” [Ez 18.9]. Nada destas coisas negamos nem obscurecemos. Apresente-se, porém, um só que seja, dentre os filhos de Adão, com integridade como tal. Se ninguém há, importa que ou escapem da vista de Deus, ou se acolham ao refúgio de sua misericórdia. Tampouco negamos que a integridade que os fiéis possuem, ainda que parcial e imperfeita, lhes sirva de respaldo para alcançar a imortalidade.248 Mas, donde provém isso senão do fato de que aqueles a quem o Senhor recebeu ao pacto da graça, ele não perscruta suas obras segundo seus méritos; antes, as abraça com paternabenignidade? Com isso entendemos não simplesmente o que ensinam os escolastas: as obras têm seu valor da graça aceitante, pois são de parecer que as obras, de outra sorte, seriam insuficientes para a obtenção da salvação em conformidade com o pacto da lei, são elevadas ao mérito de equivalência, contudo em virtude da aceitação divina. Eu, porém, digo que essas obras, tisnadas tanto de outras transgressões, quanto de suas próprias manchas, outro valor não têm senão porque o Senhor a umas e outras confere perdão, o que significa prodigalizar ao homem justiça gratuita. Aqui não se impingem intencionalmente aquelas preces do Apóstolo nas quais se deseja aos fiéis tão grande perfeição, para que sejam inculpáveis e irrepreensíveis no dia do Senhor [1Co 1.8; 1Ts 3.13; 5.23]. De fato, outrora, os seguidores de Celéstio insistiram muito nestas palavras no afã de reivindicar perfeição de justiça nesta vida. Mas, seguindo Agostinho, respondemos em termos breves o que julgamos ser bastante, a saber, a esta meta, na verdade, devem aspirar todos os piedosos: que um dia possam comparecer imaculados e inculpáveis perante a face de Deus. Mas, uma vez que a melhor e mais excelente expressão da presente vida outra coisa não é senão uma escalada progressiva, a essa meta haveremos de então, finalmente, chegar, quando, despojados desta carne de pecado, ao Senhor nos unirmos plenamente. Contudo, não litigarei com pertinácia com aquele que aos santos queira atribuir o título de perfeição, desde que também a defina nas palavras do próprio Agostinho: “Quando”, diz ele, “chamamos perfeita a virtude dos santos, à própria perfeição pertence também o reconhecimento da imperfeição não só na verdade, mas também na humildade.”

João Calvino