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sábado, 22 de setembro de 2018

HUMILDADE E CONFISSÃO SINCERA DAS FALTAS E PECADOS, BEM COMO SÚPLICA FERVOROSA POR PERDÃO, SÃO A PRÓPRIA ESSÊNCIA DA ORAÇÃO EFICAZ

Em suma, o começo, e mesmo a preparação, do modo correto de orar é o pedido de perdão associado à humilde e sincera confissão de culpa. Pois, não se pode esperar que alguém obtenha alguma coisa de Deus, por mais santo que seja, até que tenha sido graciosamente reconciliado com ele, nem pode suceder que Deus seja propício a outros, senão àqueles a quem perdoa. Do quê não surpreende se com esta chave os fiéis abrem para si a porta à oracão, o que aprendemos de muitos lugares nos Salmos. Porque Davi, pedindo outra coisa distinta,diz: “Que não te lembres dos pecados de minha juventude e de minhas transgressões; por amor de tua bondade, lembra-te de mim segundo tua misericórdia, ó Senhor” [Sl 25.7]. Igualmente: “Olha para minha aflição e para meu sofrimento e perdoa todos meus pecados” [Sl 25.18]. Do quê também vemos não ser bastante, se a cada dia formos chamados a prestar contas pelos pecados recentes, senão que nos venham à memória aqueles pecados aos quais podia parecer já há muito induzida ao esquecimento. Ora, também o mesmo profeta, havendo em outro lugar [Sl 51] confessado uma ofensa grave, nesta ocasião volta ao ventre materno, no qual já havia contraído a mácula, não que atenue a culpa da corrupção da própria natureza, mas para que, acumulando os pecados de toda a vida, quanto mais severo é em condenar-se, tanto mais clemente ache a Deus. Mas, ainda que nem sempre os santos peçam perdão dos pecados em termos expressos, contudo, se diligentemente ponderamos as preces que a Escritura lhes atribui, prontamente se dará conta que estou dizendo: à vida da mera misericórdia de Deus eles cobraram ânimo para orar, e por isso sempre começaram aplacando-o; porque, se cada um interroga a própria consciência, tão longe passa a atrever-se a depor francamente diante de Deus seus cuidados, que, a menos que esteja confiado em sua misericórdia e perdão, sentirá horror de dar um passo adiante. Com efeito, há ainda outra confissão especial quando pedem que sua pena seja amenizada; que, ao mesmo tempo, oram para que seus pecados sejam perdoados, pois que seria absurdo querer que o efeito seja cancelado, se a causa permanece. Ora, impõe-se guardar-nos de que imitemos doentes insensatos, os quais, preocupados quanto a cuidar-se apenas dos sintomas, negligenciam a própria raiz do mal, quando, ao contrário, se deve dar atenção antes a que Deus nos seja propício, comprovando seu favor por meio de sinais externos, porquanto ele não só quer manter esta ordem, como também pouco nos aproveitaria tê-lo benévolo, salvo se a consciência, sentindo-o aplacado, o tivéssemos “inteiramente amável” [Ct 5.16]. Somos também ensinados por isto, mediante a resposta de Cristo, pois, como decidisse curar o paralítico, lhe diz: “Teus pecados estão perdoados” [Mt 9.2], evidentemente, elevando o ânimo àquilo que primordialmente se deve almejar: primeiro, que Deus nos acolha à graça; em seguida, ao trazer-nos ajuda, ele exiba o fruto da reconciliação. Mas, além dessa confissão especial de presente culpabilidade, mediante a qual os fiéis suplicam no interesse de impetrar perdão de cada culpa e pena, jamais se deve omitir essa introdução geral de que se reconheçam pecadores, que concilia favor às preces, porquanto, a não ser que sejam fundadas na misericórdia graciosa, jamais serão ouvidas por Deus. Ao quê se pode aplicar esta afirmação de João: “Se confessarmos nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar e nos purificar de toda iniqüidade” [1Jo 1.9]. Do quê sob a lei se fez necessário que as preces sejam consagradas com a expiação de sangue para que fossem aceitáveis, e assim o povo fosse advertido de que era indigno de tão grande prerrogativa de honra, até que, purificado de suas ofensas, da mera misericórdia de Deus derivasse a confiança de orar.

João Calvino