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segunda-feira, 24 de setembro de 2018

A INTERCESSÃO ATRIBUÍDA AOS CHAMADOS SANTOS, NO ROMANISMO, NÃO SE FUNDAMENTA NO ENSINO DA ESCRITURA, E CONTRADIZ A SINGULAR MEDIAÇÃO DE CRISTO, ALIÁS MARGINALIZADA, SE NÃO ANULADA

No que tange aos santos que, mortos na carne, vivem em Cristo, se lhes atribuímos alguma oração, não sonhemos com isso que eles mesmos tenham outro caminho de rogar a Deus senão Cristo, que é o único caminho [Jo 4.16]; tampouco que suas preces sejam aceitáveis a Deus em outro nome. E assim, uma vez que a Escritura volve nossa mente unicamente para Cristo, e já que o Pai celestial quer nele convergir todas as coisas [Ef 1.10; Cl 1.20], foi da máxima obtusidade, para não dizer da máxima insânia querer assim engendrar-nos acesso por meio deles paraque fôssemos afastados para longe daquele à parte de quem nem a eles próprios se lhes patenteia qualquer entrada. Não obstante, quem haja de negar que isto foi feito por alguns séculos e que hoje é feito onde quer que floresça o papismo? Para obter a benevolência de Deus, põem diante dele os méritos santos e, na maioria das vezes, pondo Cristo de parte, suplicam a Deus através dos nomes deles. Porventura, repito, não significa isto transferir para eles o ofício daquela singular intercessão que supra reivindicamos para Cristo? Ademais, quem, quer anjo, quer demônio, jamais atribuiu a qualquer dos homens sequer uma sílaba acerca de intercessão dessa natureza, que imaginam para eles? Ora, na Escritura não consta nada disso. Portanto, com que razão foi ela inventada? Incontestavelmente, enquanto o engenho humano busca para si, afoitamente, subsídios dos quais não é munido através da Palavra de Deus, põe à mostra cristalinamente sua carência de fé. Porque, se a consciência desses tais for invocada, os quais se comprazem na intercessão dos santos, descobriremos que isso não procede de outra parte senão porque laboram em ansiedade, como se aqui Cristo fosse deficiente, ou fosse excessivamente severo. Acima de tudo, com essa perplexidade eles ultrajam a Cristo e o despojam do título de único Mediador, o qual, assim como lhe foi dado pelo Pai como singular prerrogativa, assim também não deve ser transferido a outrem. E de fato com isso mesmo lhe obscurecem a glória do nascimento e lhe esvaziam a cruz; enfim, tudo quanto ele fez ou sofreu, o esbulham e o defraudam de seu louvor quando, de fato, tudo tende que só ele seja tido na conta de Mediador. Ao mesmo tempo, rejeitam a benignidade de Deus, o qual lhes é exibido por Pai; pois, não lhes é Pai, a não ser que reconheçam Cristo como seu Irmão. Negam isto abertamente, salvo se refletirem em seu íntimo que ele nutre por eles fraterno afeto, do quê nada pode ser mais suave ou mais terno. Por isso, a Escritura no-lo oferece com exclusividade, nos remete a ele e nos sustém nele. Ambrósio afirma que “ele é nossa boca, através da qual falamos com o Pai; nossos olhos, através dos quais vemos o Pai; nossa destra, através da qual nos oferecemos ao Pai. A não ser que ele interceda, nem nós, nem todos os santos, temos alguma coisa com Deus.” Se objetam, dizendo que as preces públicas que nos templos proferem são concluídas com este apêndice, por Cristo, nosso Senhor, é isso frívolo subterfúgio, visto que não menos se profana a intercessão de Cristo quando é misturada às preces e méritos dos mortos, que se for omitida inteiramente, a referência seria meramente aos mortos. Além disso, em todas as suas litanias, hinos e jaculatórias, onde não deixam nada de honra a conferir aos santos mortos, não se faz nenhuma menção a Cristo.

João Calvino