Combatem, também, à base dessas passagens, nas quais os fiéis oferecem ousadamente
sua justiça para que seja examinada pelo juízo de Deus e desejam, em
conformidade com ela, ser pessoalmente julgados. Dessa natureza são: “Julga-me,
ó Senhor, segundo minha justiça e segundo minha inocência, que há em mim” [Sl
7.8]. Igualmente: “Ouve, ó Deus, minha justiça; provaste meu coração e me visitaste
de noite, e iniqüidade não se achou em mim” [Sl 17.1, 3]. Também: “O Senhor me
retribuirá em conformidade com minha justiça, e em conformidade com a pureza de
minhas mãos me dará em paga, porque tenho guardado os caminhos do Senhor, nem
me tenho afastado impiamente de meu Deus. E serei imaculado, e me guardarei de
minha iniqüidade” [Sl 18.20, 21, 23]. Ainda: “Julga-me, Senhor, porque tenho andado
em minha inocência; não me assentei com os homens falsos; não tomarei parte
com os que empreendem coisas iníquas. Não dês minha alma à perdição com os
ímpios, com os homens sanguinários minha vida, em cujas mãos há iniqüidades,
cuja destra está repleta de suborno. Eu, porém, tenho andado na inocência” [Sl 26.1,
4, 9-11].
Já falei a respeito da confiança que os santos parecem assumir para si simplesmente
com base nas obras. Estas passagens, porém,que para isso adicionamos aqui
não nos causarão muito empecilho, caso sejam tomadas em conformidade com sua
peri,stasin [p$rístasin], isto é, seu contexto ou, como dizem vulgarmente, sua circunstância.
Essa peri,stasij [p$rístasis] é, com efeito, dúplice, pois por si mesmos
não pretendem que se proceda a uma devassa total, de sorte que, em vista do teor da
vida inteira, ou sejam condenados, ou sejam absolvidos; ao contrário, trazem a juízo
uma causa especial para ser debatida, não que arroguem para si justiça com
respeito à perfeição divina, mas em comparação com os ímpios e celerados.
Primeiro, quando se trata de como o homem é justificado, não se indaga apenas
como tenha boa causa em alguma coisa particular, mas uma como que perpétua
harmonia de justiça pela vida inteira. Com efeito, os santos, enquanto imploram o
juízo divino a comprovar-lhes a inocência, não se apresentam a si mesmos isentos
de toda culpa e irrepreensíveis em todo aspecto, mas, enquanto em sua mera bondade
fixam a confiança da salvação, contudo, confiados em que ele é o defensor dos
pobres afligidos, destituídos do direito e da eqüidade, a ele recomendam, inteiramente,
a causa em que, embora inocentes, são oprimidos.
Enquanto, porém, com os adversários comparecem diante do tribunal de Deus,
não se gabam de uma inocência que, se perscrutada rigorosamente, tiver que corresponder
à pureza de Deus, mas porque sabem que, ante a maldade, a improbidade, a
astúcia, a impiedade dos adversários, são conhecidas e aprazíveis a Deus sua sinceridade, justiça, candidez e pureza, não se arreceiam de invocá-lo como seu juiz
entre si e eles. Assim, quando Davi dizia a Saul: “Dê o Senhor a cada um segundo
sua justiça e sua verdade” [1Sm 26.23], não entendia que o Senhor pessoalmente
examinasse a cada um e o recompensasse conforme seus méritos, mas dava testemunho
ao Senhor de quão grande fosse sua inocência em comparação com quão
grande era a iniqüidade de Saul.
E Paulo, deveras, quando se exalta com esta glorificação pessoal, que desfruta
de bom testemunho da consciência de que se conduzira com candidez e integridade
na Igreja de Deus [2Co 1.12], não quer suster-se diante de Deus apoiado em glorificação
pessoal propriamente dita; ao contrário, compelido pelas calúnias dos ímpios,
contra toda e qualquer maledicência dos homens afirma sua fidelidade e probidade,
que saiba ser aceitável à divina complacência. Pois conhecemos o que ele diz em
outro lugar, a saber, não tinha em si consciência de nenhuma coisa má, contudo, não
se justifica nisso [1Co 4.4]. Ora, obviamente sabia que o juízo de Deus em muito
transcende a miopia humana. Logo, por mais que, sendo-lhes Deus testemunha e
juiz, os piedosos defendem sua inocência contra a hipocrisia dos ímpios, entretanto,
onde se trata somente com Deus, clamam todos a uma voz: “Se observares a iniqüidade,
Senhor, quem, Senhor, se manterá firme?” [Sl 130.3]. Igualmente: “Não entres
em juízo com teus servos, porque a teus olhos não será tido por justo nenhum
vivente” [Sl 143.2]; e, desconfiados de suas obras, com prazer cantam: “Tua bondade
é melhor que a vida” [Sl 63.3].
João Calvino
Escola Bíblica Conhecedores da verdade - O objetivo deste blog e levar você a conhecer a verdade que liberta de todo o Engano. Nesses últimos tempos, muito se tem ouvido falar do evangelho de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, porém de maneira distorcida e muitas vezes pervertida, com heresias disfarçada etc. “ ...e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.” João 8.32