E estas passagens da Escritura, na verdade bem poucas, propus apenas como
um preâmbulo. Ora, se a intenção fosse considerá-las uma a uma, haveria de compilar um longo volume. Todos os Apóstolos estão saturados de exortações, admoestações
e reprimendas mercê das quais o homem de Deus seja instruído a toda boa
obra, e isto sem menção de mérito. Antes, pelo contrário, suas mais poderosas exortações
derivam disto: que a salvação se granjeia por nenhum mérito nosso, senão
unicamente pela misericórdia de Deus. Assim é que Paulo, quando numa epístola
toda dissertou dizendo que nenhuma esperança de vida há para nós, a não ser na
justiça de Cristo, ao chegar às exortações fundamenta toda sua doutrina sobre aquela
mesma misericórdia de Deus que havia proclamado [Rm 12.1].
E, seguramente, esta única causa nos deveria ser suficiente: que Deus seja glorificado
em nós [Mt 5.16]. Ora, se alguns não são tão veementemente afetados pela
glória de Deus, no entanto a lembrança de seus benefícios é mui suficiente, a saber,
que os incite a fazer o bem. Mas esses fariseus, porque, ao enaltecerem os méritos,
talvez forçadamente conseguem algumas servis e compelidas observâncias da
lei, dizem falsamente que nada temos porque exortamos às boas obras, enquanto
não trilhamos a mesma vereda. Como se, deveras, Deus se deleitasse muito com tais
observâncias, quando precisamente declara que ama ao que dá com alegria e proíbe
que se dê alguma coisa com tristeza ou por necessidade! [2Co 9.7].235
Tampouco digo isto porque rejeite isto, ou negligencie o gênero de exortação
que a Escritura usa repetidamente, para que não omita qualquer maneira de por
todos os lados nos animar às boas obras, pois ela relembra o galardão que Deus
“dará a cada um segundo suas obras” [Mt 16.27; Rm 2.6; 1Co 3.8, 14; 2Co 5.10].
Nego, porém, ser essa a única razão e mesmo a principal entre muitas. Ademais, não
admito que daí se tome o ponto de partida. Além disso, discordo que se faça algo
para engendrar méritos, como esses proclamam, como veremos mais adiante. Finalmente,
nem é relevante a noção de mérito das boas obras, a menos que se dê precedência
a essa doutrina de que somos justificados unicamente pelo mérito de Cristo,
que é apreendido pela fé, mas não por algum mérito de nossas obras, visto que
ninguém pode estar apto para o exercício da santidade, senão aqueles que sejam
antes embebidos desta doutrina.
O Profeta também expressa isto muito bem, quando assim dirige a Deus a palavra:
“Em ti, Senhor, está a propiciação para que sejas reverenciado” [Sl 130.4], pois
mostra que não existe nenhum culto de Deus, a menos que sua misericórdia seja
reconhecida, sobre a qual somente ele está não só fundamentado, mas também firmemente
estabelecido. Sobretudo digno é isto de ser notado, para que saibamos não
só que o princípio de adorar-se corretamente a Deus é a confiança em sua misericórdia,
mas ainda que o temor de Deus, que os papistas querem que seja meritório, ainda que não possa ser arrolado sob o título de mérito, contudo, está fundamentado
no perdão e remissão dos pecados.
João Calvino
Escola Bíblica Conhecedores da verdade - O objetivo deste blog e levar você a conhecer a verdade que liberta de todo o Engano. Nesses últimos tempos, muito se tem ouvido falar do evangelho de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, porém de maneira distorcida e muitas vezes pervertida, com heresias disfarçada etc. “ ...e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.” João 8.32