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sábado, 22 de setembro de 2018

SEGUNDA REGRA DA ORAÇÃO CORRETA: SINCERO SENSO DE INSUFICIÊNCIA PESSOAL; CÔNSCIA APRESENTAÇÃO DE NOSSA REAL NECESSIDADE E SEGURA CONFIANÇA DE SERMOS ATENDIDOS

Também outra lei é que, ao rogarmos, sintamos sempre verdadeiramente nossa própria penúria, e pensando seriamente quão necessitados estamos nós de todas as coisas que pedimos, com a própria oração associemos desejo sério e ardente de obtê-las. Ora, muitos recitam suas orações superficialmente, de uma fórmula estereotipada, como se estivessem a cumprir com uma obrigação para com Deus. E, ainda que admitam ser este o remédio necessário a seus males, uma vez que seja fatal carecer da ajuda de Deus que estão a implorar, no entanto é evidente que eles se desincumbem deste dever por mero costume, porquanto, entrementes, seu coração está frio, nem pesam o que estejam a pedir. Com efeito, um senso geral e confuso de sua necessidade aí os leva, porém não os incita, como que em fato real, a que busquem alívio de sua indigência. No entanto, o que há de mais odioso, ou até de mais execrando do que reputarmos a Deus esta ficção: quando alguém suplica o perdão dos pecados, ao mesmo tempo ou pensando não ser pecador, ou, pelo menos, não pensando ser pecador, evidentemente, ficção essa pela qual o próprio Deus é tido claramente em zombaria? Contudo, como disse há pouco, o gênero humano está saturado de depravação desta natureza, de sorte que, no simples afã de desempenhar essa tarefa, de Deus freqüentemente solicitam muitíssimas coisas que julgam como certo que, à parte de sua munificência direta, ou lhes advém de outra parte, ou já estejam de posse dela. De outros o delito parece mais leve, mas nem mesmo esse é tolerável: quando murmuram preces sem meditação os que se viram imbuídos apenas deste principio, que devem propiciar a Deus com votos. Mas os piedosos hão de especialmente guardar-se para que nunca compareçam à presença de Deus a suplicar o que quer que seja, a não ser o que não só ardentemente anelam com sério afeto de coração, como também, ao mesmo tempo, dele almejam obter. Mais ainda, ainda que naquelas coisas que pedimos apenas para a glória de Deus não parecemos, à primeira vista, consultar nossa necessidade, no entanto convém que sejam elas rogadas com não menor fervor e veemência de desejo, como quando instamos a que seu nome seja santificado [Mt 6.9; Lc 11.2], se deve ter ardentemente, por assim dizer, fome e sede dessa santificação.

João Calvino