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sábado, 22 de setembro de 2018

A CERTEZA QUE ASSISTE À ORAÇÃO REPOUSA NO EXPRESSO PRECEITO DIVINO, A QUE COMPLEMENTA A PROMESSA DIVINA, QUE É SEGURA E IMARCESCÍVEL

Em primeiro lugar, deveras nos ordenando-nos que oremos, com esse mesmo preceito nos acusa de ímpia contumácia, caso não lhe obedeçamos. Não se podia dar mandamento mais preciso do que o que se encontra no Salmo: “Invoca-me no dia da tribulação” [Sl 50.15]. Mas, visto que entre os deveres da piedade, nenhum as Escrituras recomendam com maior freqüência, não há razão para demorar-me aqui por mais tempo. “Pedi”, diz o Mestre, “e recebereis; batei, e se vos abrirá” [Mt 7.7]. Todavia, a este preceito se anexa também uma promessa, como se faz necessário, pois ainda que todos confessem que se deve obedecer ao preceito, contudo, a maior parte fugiria de Deus quando chamada, a não ser que prometesse estar pronto a ouvir-lhes os rogos, e inclusive a vir-lhes ao encontro. Portanto, postos estes dois elementos, certo é que todos quantos procuram esquivar-se para que não venham a Deus diretamente são não meramente rebeldes e indóceis, mas também incriminados de incredulidade, porquanto não confiam nas promessas. Isto requer tanto mais acurada observação, porque os hipócritas, a pretexto de humildade e modéstia, mui soberbamente desprezam o preceito de Deus quanto nulificam a fé em seu benigno convite; mais ainda, o defraudam da parte principal de seu culto. Ora, onde repudiou os sacrifícios, nos quais então parecia residir toda a santidade, declara que isto é supremo e para si precioso acima das demais coisas: ser ele invocado no dia da necessidade [Sl 50.7-15]. Portanto, onde exige o que é seu, e nos anima à alegria de obedecer, desaparece toda e qualquer condição a dúvida com que nos escusemos. Portanto, todo e qualquer testemunho que por toda parte ocorre nas Escrituras, nos quais nos é prescrita a invocação de Deus, são tantas outras bandeiras fincadas diante de nossos olhos a nos inspirar confiança. Seria temeridade prorromper na presença de Deus, a não ser que ele próprio se antecipasse em chamar-nos. Daí, em sua Palavra o caminho nos escancara: “Direi: é meu povo; e ela me dirá: O Senhor é o meu Deus” [Zc 13.9]. Vemos como ele previne a seus fiéis e como quer que o sigam; e por isso não há por que temer que esta melodia lhe seja pouco suave, a qual ele mesmo dita. Que nos venha à mente, sobretudo, essa insigne caracterização de Deus,firmados na qual, sem qualquer dificuldade, superaremos todos os obstáculos: “Tu, ó Deus, que ouves a oração; a ti virá toda carne” [Sl 65.2]. Que pode haver mais agradável ou fagueiro do que Deus se revista deste título para assegurar-nos que nada é mais próprio e conforme à sua natureza do que despachar as petições daqueles que lhe suplicam?274 Daqui o Profeta infere que a porta está aberta não a uns poucos, mas a todos os mortais, porque também se dirige a todos com esta palavra: “Invoca-me no dia da aflição; livrar-te-ei, e tu me glorificarás” [Sl 50.15]. Segundo esta regra, Davi evoca a promessa que lhe fora dada, para que obtenha o que pede: “Pois tu, Senhor dos Exércitos, Deus de Israel, revelaste aos ouvidos de teu servo, dizendo: Edificar-te-ei uma casa. Portanto, teu servo se animou para fazer-te esta oração” [2Sm 7.27]. Do quê concluímos que ele seria possuído de temor, a não ser até onde a promessa o animasse. Assim, em outro lugar, ele se mune deste ensinamento geral: “O Senhor fará a vontade dos que o temem” [Sl 145.19]. Com efeito, é preciso que se atente bem nos Salmos que se corta o fio da oração por uma digressão acerca do poder de Deus, de sua bondade ou da certeza das promessas. Poderia parecer que, inserindo inoportunamente essas referências, Davi torna truncadas suas orações; mas, do uso e da experiência, os fiéis têm por estabelecido que o ardor se arrefece, a não ser que acendam novas chamas; portanto, não é supérfluo que, enquanto oramos, meditemos acerca da natureza de Deus e de sua Palavra. E assim, conforme o exemplo de Davi, não haja hesitação em infundir aquelas coisas que refaçam de novo vigor os ânimos desalentados.

João Calvino