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segunda-feira, 24 de setembro de 2018

A INTERCESSÃO ROMANISTA DOS SANTOS ENGENDRA SUPERSTICIOSA VENERAÇÃO DESSAS CRIATURAS, ÀS QUAIS SE PRESCREVEM ATRIBUIÇÕES E HONRARIAS PRÓPRIAS DE CRISTO E DA DEIDADE

Mas, a obtusidade humana avançou tanto que aqui temos expressa disposição à superstição, superstição que, onde uma vez o freio se rompe, costuma não impor nenhum limite de seu transbordamento. Ora, depois que se começou a recorrer à intercessão dos santos, pouco a pouco, a cada um foi atribuída sua função própria, de sorte que, em razão da diversidade de encargo, passou-se a invocar ora este, ora aquele intercessor. Então os homens adotaram para si, individualmente, seus nomes particulares, cuja confiança, a que se entregaram, se equipara aos deuses tutelares. Não só foram constituídos deuses segundo o número das cidades, do que o Profeta censurava a Israel outrora [Jr 2.28, 11.13], mas até segundo a multidão de pessoas. Ora, se é verdade que os santos têm a verdade de Deus como norma e regra de todos os seus desejos, e que nela têm postos seus olhos, qualquer que pronuncia outra oração além daquela que deseja que venha o reino de Deus, os avalia de uma maneira mui inconveniente, carnal e inclusive afrontosa.284 Do que muitíssimo longe está o que lhes imaginam: cada um, em seu afeto particular, é mais disposto para com seus cultores. Enfim, muitíssimos não se abstivera de horrendo sacrilégio, invocando-os não mais como patrocinadores, mas realmente como dispensadores de sua salvação. Eis a que ponto chegam os homens desventurados, quando se desgarram de sua legítima posição, isto é, da Palavra de Deus! Deixo fora de consideração os mais crassos portentos de impiedade, nos quais, embora sejam detestáveis a Deus aos anjos e aos homens, entretanto deles nem mesmo se envergonham nem se sentem pesarosos. Prostrados diante da estátua ou pintura de Bárbara, ou Catarina, e afins, sussurram: Pai Nosso. Tão longe está que os pastores cuidem de curar ou de coibir tal desatino, que, atraídos pelo aroma do lucro, com seu aplauso o aprovam totalmente. Mas, ainda que afastem de si a odiosidade de crime tão hediondo, entretanto com que pretexto hajam de defender os rogos que dirigem a Elói ou a Medardo, para que do céu contemplem e ajudem a seus servos, ou à Virgem Santa que ordene ao Filho que faça o que pedem? Outrora, no Concílio de Cartago, foi proibido que se fizesse súplica direta aos santos diante do altar, e é provável que, embora os santos varões não pudesse mconter totalmente o ímpeto do depravado costume, onde se aplicou comedimento ao menos para que as orações públicas não fossem viciadas com esta fórmula: São Pedro, ora por nós. Quanto mais longe, porém, veio parar a diabólica insolência desses que não hesitam em transferir aos mortos o que era próprio de Deus, e de Cristo?

João Calvino