Conseqüentemente, aqui direi algo a respeito dos escândalos, como deverão
eles distinguir-se, quais devem ser evitados, quais, igualmente, devem ser negligenciados,
do quê, em seguida, é possível afirmar que lugar nossa liberdade ocupa
entre os homens. Agrada, porém, essa distinção comum que refere o escândalo
um como dado, o outro como assumido, visto que não só tem claro testemunho da
Escritura, nem exprime ineptamente o que significa. Se por inoportunidade ou leviandade,
ou intemperança, ou temeridade, não na devida ordem, nem em seu lugar,
faças algo, mercê do qual os ignorantes e os fracos ficam escandalizados, se dirá que o escândalo foi dado por ti, porquanto por tua culpa terá acontecido que se
suscitasse ofensa desta natureza. E em geral se diz que tal escândalo foi dado em
alguma coisa quando a culpa do qual procedeu do autor da própria coisa. Chama-se
escândalo assumido, quando a coisa indevidamente cometida de outra sorte não é
má nem foi feita indiscretamente, se toma com má vontade e certa malícia como
ocasião de escândalo. Ora, aqui não havia escândalo dado, mas esses intérpretes
perversos sem causa o assumem.
Nesse primeiro gênero de escândalo são ofendidossomente os fracos; neste segundo,
porém, as mentalidades intempestivas e as disposições farisaicas. Por isso, a
um chamaremos o escândalo dos fracos; ao outro, o escândalo dos fariseus; e assim
temperaremos o uso de nossa liberdade que deve ceder à ignorância dos irmãos
fracos, de maneira alguma ao rigor dos fariseus. Quanto devemos preocupar-nos
com os irmãos que são mais débeis, Paulo o demonstra sobejamente em muitas
passagens. “Acolhei”, diz ele, “os fracos na fé” [Rm 14.1]; igualmente: “Assim que
não julguemos mais uns aos outros; antes, seja vosso propósito não pôr tropeço ou
escândalo ao irmão” [Rm 14.13], e muitas outras passagens no mesmo sentido, que
é mais satisfatório lê-las no texto do que inscrevê-las aqui. A síntese é que “Mas
nós, que somos fortes, devemos suportar as fraquezas dos fracos, e não agradar-nos
a nós mesmos. Portanto, cada um de nós agrade ao próximo no que é bom para
edificação” [Rm 15.1, 2]. Em outro lugar: “Mas vede que vossa liberdade não seja,
de algum modo, tropeço para aqueles que são fracos” [1Co 8.9]; igualmente: “Comei
de todas as coisas que se vendem no mercado, nada perguntando por causa da
consciência; digo, porém, não tua consciência, mas a do outro” [1Co 10.29]; finalmente:
“Portai-vos de modo que não deis escândalos nem aos judeus, nem aos gregos,
nem à igreja de Deus” [1Co 10.32]. Ainda em outro lugar: “Porque vós, irmãos,
fostes chamados à liberdade. Não useis então da liberdade para dar ocasião à carne,
mas servi-vos uns aos outros pelo amor” [Gl 5.13].
E de fato é assim. Nossa liberdade não nos foi dada contra nosso próximo fraco,
de quem a caridade nos constituiservos em todas as coisas; ela nos foi dada, sim,
para que, tendo paz com Deus em nossas almas, em paz também vivamos entre os
homens. Mas com respeito a fazermos escândalo aos fariseus, aprendemos das palavras
do Senhor, com as quais ele ordena que não se deve levá-los em consideração,
porque são cegos, guias de cegos [Mt 15.14]. Os discípulos chamaram-lhe a atenção
de que estes se haviam ofendido com seu discurso [Mt 15.12]. Então lhes responde
que eles deveriam ser ignorados, tampouco se deveria dar atenção a seu escândalo.
João Calvino
Escola Bíblica Conhecedores da verdade - O objetivo deste blog e levar você a conhecer a verdade que liberta de todo o Engano. Nesses últimos tempos, muito se tem ouvido falar do evangelho de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, porém de maneira distorcida e muitas vezes pervertida, com heresias disfarçada etc. “ ...e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.” João 8.32