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quinta-feira, 20 de setembro de 2018

SOMENTE EM DECORRÊNCIA DO PERDÃO DIVINO JUDICIALMENTE SE DECLARA O MÉRITO OU GALARDÃO DAS OBRAS

Conseqüentemente, quando a Escritura diz que “Deus, o justo Juiz, haverá de um dia outorgar aos seus a coroa de justiça” [2Tm 4.8], não só respondo com Agostinho: “A quem daria o justo Juiz a coroa, se o Pai misericordioso não houvesse conferido a graça? E como haveria justiça, a não ser que a graça que justifica ao ímpio a houvesse precedido? E como seriam pagas estas coisas devidas, a menos que fossem dadas antes aquelas não devidas?” Mas, acrescento ainda outro ponto: Como imputaria ele justiça a nossas obras, a não ser que sua complacência encobrisse o que nelas há de injustiça? Como as haveria de considerar dignas de recompensa, senão que, por sua imensa benignidade, cancelasse o que é nelas digno de castigo? Ora, esse varão costuma chamar graça à vida eterna, porque, enquanto é ela dada em recompensa às obras, é conferida sobre dádivas graciosas de Deus. Mas, a Escritura nos humilha ainda mais, e no entanto, ao mesmo tempo, também nos exalça. Ora, além de vedar que se glorie nas obras, visto que são dádivas graciosas de Deus, concomitantemente ensina que elas estão sempre conspurcadas de certas poluições; de sorte que, se forem examinadas de conformidade com o padrão de seu juízo, não podem satisfazer a Deus. Mas, para que não nos desfaleça o bom ânimo, a mesma Escritura declara também que elas são agradáveis a Deus, porque ele as apóia.255 Mas ainda que um pouco diferentemente de nós fala Agostinho, contudo, em substância se verificará que suas palavras não se desafinam das de Bonifácio, o qual, depois de comparar entre si dois homens, supondo que um fosse de vida mui santa e perfeita, e que o outro, também de vida boa e honesta, porém não tão perfeito como o outro, por fim conclui que o que parece não ser tão perfeito como o outro, pela retidão de sua fé em Deus pela qual vive e segundo a qual se acusa de todos seus pecados, louva a Deus em todas suas obras boas, atribuindo-se a si mesmo a ignomínia e a Deus, a honra, e recebendo dele a remissão dos pecados e o anseio de fazer bem suas obras, quando chega a hora de deixar esta vida será recebido em companhia de Cristo. Por quê, senão mercê da fé, a qual, embora a ninguém salva sem as obras (pois ela é uma fé não réproba, que opera por amor), entretanto, através dela os pecados são também perdoados, pois que o justo vive da fé, mas sem ela as obras que parecem boas a pecados se convertem?” Aqui, sem dúvida, ele está a confessar, não obscuramente, o que tanto temos discutido: que a justiça das boas obras depende e procede do fato de que Deus as aprova por fazer uso de sua misericórdia e de perdoar as falhas que há nelas.

João Calvino